• ‘Meus tipos inesquecíveis’, 2. Por Toninho Lima

    Toninho Lima, redator Sênior da Next, traz o segundo capítulo de uma deliciosa leitura, principalmente para aqueles que amam boas histórias e personagens incríveis.

     

    “Algumas pessoas muito especiais cruzaram meu caminho nessa longa estrada em que venho há tanto tempo caminhando. Pessoas que, por um ou outro motivo, quando não muitos, deixaram uma lembrança forte e boa e que sinto que merecem ser relembradas. Por isso volto a este espaço com mais uma leva de tipos que marcaram a minha memória e ficaram na história dessa nossa profissão. A cada um deles, devo alguns dos momentos mais marcantes, divertidos, inspiradores e prazerosos que pude experimentar ao longo da minha jornada.

    NEY AZAMBUJA – foto acima – era o redator sênior com quem eu tive o privilégio de iniciar minha formação prática na publicidade. Privilégio pelos ensinamentos corretos e fundamentais e também por ter sido o meu tutor na introdução ao mundo das malandragens do nosso mercado. Eu, estagiário, somente por andar para cima e para baixo com o Ney, tinha abertura para participar do que eu chamava de “mundo dos adultos”. Inclusive em pregar peças nos colegas da agência, como se um deles eu já fosse. Mas eu pagava um preço, claro. Todas as noites, na hora de ir para casa, ele botava a cabeça por cima da divisória onde ficava meu espaço de trabalho e dizia, com a maior naturalidade: “E aí, vamos?” Isso significava que eu, que morava numa avenida no bairro do Flamengo, a uma reta da agência, tinha que seguir em frente até Botafogo para deixá-lo na porta de casa. E, se eu reclamava, lá vinha a justificativa: “Assim, você pode aproveitar mais alguns minutos para conversar comigo.”

    Hiran Castelo Branco, Rodrigo Menezes, Haroldo Cardoso, Said Farhat e Arthur De Negri (1980)

    RODRIGO SÁ MENEZES – na foto acima de terno mais claro -, chamado entre os profissionais da GFM/Propeg de “Capitão”, era uma lenda da publicidade baiana, que eu já conhecia antes mesmo de me mandar, de malas e cuias, com mulher e filha de 3 anos, para Salvador. Achei o Rodrigo uma simpatia, quando fui apresentado a ele pelo diretor de criação que me contratara. Mas permanecer mais do que cinco minutos naquela sala me pareceu estar sendo colocado no freezer em um frigorífico. Fazia um frio insuportável, contrastante com o sol que brilhava na Ladeira da Barra. Um dia, perguntei ao diretor de criação por que a sala do homem era tão gelada. Ele riu e respondeu: “A gente diz que é para quem vai negociar com ele um aumento de salário… assim a conversa não dura muito.” Não experimentei essa negociação. Pelo contrário, quando precisei voltar para o Rio, tive dele uma generosa oferta para trabalhar na Propeg carioca.

    ÁLVARO GABRIEL DE ALMEIDA – foto acima – era o diretor de criação da maior agência de publicidade da América Latina, a MPM Propaganda. Eu já admirava o redator que brilhou em outras agências nos anos anteriores e sonhava em trabalhar com ele. Desejo que, graças à minha amizade com o RONALDO CONDE (outra figura inesquecível) consegui realizar. O que me obrigava, todas as manhãs, a responder à pergunta que me era lançada, do corredor, pelo meu amigo que passava pela porta da minha sala. “Toninho, quem foi que te trouxe para a MPM?” Eu, resignado e paciente, respondia: “Foi você, Ronaldo!” Era um ritual, repetido diariamente. Mas quem me dava uma volta sempre que eu tentava encaixar uma conversa sobre aumento de salário, era o diretor de criação, um dos mais brilhantes e o mais vaselinado com quem já trabalhei. Alvinho era mestre em desconversar. Às vezes, íamos para um boteco ao lado da TV Globo, que ficava a meio caminho dos prédios onde ele e eu morávamos, poucos metros um do outro. Acabava sempre em dois bêbados zanzando pela calçada, sem saber quem levaria quem em casa. Um deles, eu, sem aumento.

    CARLOS MANGA – foto acima – já era uma lenda da televisão brasileira quando resolveu abrir a sua produtora, em sociedade com o também famoso, este como galã, CYL FARNEY. Tive a sorte de cair no gosto daquele diretor histriônico que se enfurecia com facilidade, mas que me tratava como um filho. Foi nesse sentimento de paternidade que ele me proporcionou um ensinamento que não só me deixou envergonhado por décadas, como muito me ilustrou sobre os segredos das filmagens. Lendo um roteiro de comercial que eu levei para ele dirigir, parou em uma parte da folha de papel e ficou torcendo o nariz. Achei que ele não estava gostando da ideia, que eu esperava que fosse receber elogios. Mas não era a ideia que estava incomodando o mestre do cinema. “Meu filho, disse ele com o mesmo tom paternal com que sempre se dirigia a mim, nunca escreva para descrever a cena, que a câmera abre e revela alguma coisa.” Fiquei embasbacado, não entendi a ponderação. Ele prosseguiu: “Numa filmagem, meu querido, se você abrir a câmera, vai velar o filme!” E soltou uma gargalhada estrondosa, bem ao seu estilo.

    LULA VIEIRA – foto acima – era diretor de criação da J.W.Thompson e eu sonhava em fazer parte da equipe dele na agência da Rua São Clemente. Já éramos amigos desde seus tempos na Lintas, outra multinacional onde ele criou alguns comerciais antológicos. Foi ele mesmo quem me contou, entre copos e mais copos de cerveja (o que, hoje em dia, seria irrepetível, já que hoje ele não bebe mais nada que contenha álcool), ligeiramente envergonhado, às gargalhadas, a tremenda gafe que tinha cometido numa apresentação a um dos maiores clientes da agência, a Pepsi. Empolgado com a reação positiva que percebeu no semblante dos diretores da marca durante a sua exposição das peças da campanha do ano, agradeceu aos aplausos efusivos dos clientes com um arremate que deveria ser a pièce de résistance da apresentação: “Tenham certeza de que, com essa campanha, a Coca-Cola se tornará, definitivamente, a líder em refrigerantes no Brasil!” Lívido, ao se dar conta do erro, viu os clientes caírem na risada e tudo ficou bem.

    Eu sei que dá vontade de ficar aqui relembrando outros tipos de grande quilate que ilustraram a minha já longa caminhada profissional. Mas prometi à Renata que seriam apenas três capítulos. O que não impede você de pressionar a Janela Publicitária para ampliar esses relatos.

    Renata Suter

    Jornalista

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