Todo ano, quando sai a lista dos finalistas do Prêmio Rogerio Steinberg — para os criativos que alcançam as maiores premiações do Colunistas Rio — surge a pergunta: onde estão as mulheres? Não é por acaso. Entre os 20 relacionados — 10 redatores e 10 diretores de arte –, dificilmente aparecem mais de duas profissionais do sexo feminino.
– Assédio. Piadas machistas. Horários malucos com consequente pressão de pais, cônjuges e filhos. Não poder colocar seu filho pra dormir mesmo que às 9 da noite. São vários — e reais — os motivos que fazem das mulheres minoria na Criação, afirma Daniela Ribeiro, que até recentemente comandava este departamento no escritório da Publicis no Rio, duplando com outra mulher, Marie Julie Gerbauld.
A diretora de arte Cristina Amorim, que por muitos anos dirigiu a criação da agência Giovanni e hoje divide seu tempo com o mercado da moda, faz coro com Dani:
– Trabalhar em agência sempre foi pesado, todo mundo sabe disso… Os horários não existem, fins de semana abortados etc e tal. Mas sempre foi assim. Acredito que pela natureza do trabalho… prazos e verbas nunca suficientes. Resultado: todos já têm que trabalhar em dobro, cita a criativa, que, nem por isso, deixa de exclamar: “Com tudo isso, é bom à beça e muito divertido!”.
Uma das diretoras de criação da Artplan, a diretora de arte Alessandra Sadock não vê o ambiente de criação como particularmente machista. Mas ressalva: “Também não via o mundo tão machista assim e agora parece tão óbvio que é”. Alessandra admite que, historicamente, a criação é masculina e isso intimida um pouco. Ela já notou, por exemplo, que os homens são mais corporativistas e as mulheres precisariam aprender a ser mais.
Dani Ribeiro concorda com isso e sugere que as mulheres deveriam adotar uma política de ocupação. E exemplifica:
– Pense numa mesa de bar com nove homens e uma mulher, e prevalecerão hormônios e piadas masculinos. Mas se forem cinco mulheres e cinco homens, a conversa e os pontos de vista já serão diferentes.
A criativa quer que as mulheres publicitárias procurem o RH da suas agências e perguntem o que estão fazendo para dar mais equilíbrio. “Dê ideias. Compartilhe bons portfólios. Cobre de novo.”, insiste Ribeiro, que defende seu plano de ação:
– Que nos contratem, e que as talentosas tragam mais talentosas, porque é assim, juntas, que nos fortalecemos, servimos de exemplo e mudamos energias e comportamentos. É assim que ocuparemos a mesa do bar, a da sala de reuniões e a que nos der na telha.
A redatora Renata Giese, que na MPM dos anos 80 fez dupla com Ana Carmen Longobardi — que mais tarde foi diretora de criação de uma das grandes épocas da Talent, em São Paulo — lembra que, mesmo as mulheres estando sempre em número menor do que os homens, não faltou criatividade nas profissionais com quem trabalhou:
– Sou péssima em cronologia mas, em ocasiões diferentes, também trabalhei com os talentos femininos de Cristina Mattos, amiga mais do que querida que me ensinou muito, Sônia Sartori, Danda Accioly, Ferdi, Cecília Sardemberg, Valéria Chaves, Eloisa Rangel, Pamela Croitorou, Isabella Torquato, Fernanda Froes, Luciana Lindemann, Laura Stanisiere. Foram muitas.
Acrescentando os nomes de Claudia Monteiro, Zil Ribas e Monica Maligo, por exemplo, Alessandra Sadock diz gostar de acreditar que a tendência seja de equiparação total. “Vai demorar ainda um tempinho e temos que batalhar por isso”, admite.
A questão, portanto, não é de capacidade profissional, como assegura a criativa Viviane Pepe:
– Já está mais do que provado que essa realidade não tem nada a ver com talento. Nem com empenho. Se mulheres tivessem problemas com dedicação, não liderariam os rankings de formação universitária e nem desempenhariam tantos papéis ao mesmo tempo.
E ela se soma à necessidade de mobilização das mulheres:
– A revisão dessa mentalidade é mais do que urgente, ainda que tenha demorado muito para esse dia chegar. Quando uma mulher mostra sua competência, inspira outras também. E isso significa que existe ainda um grande potencial criativo esperando para ser revelado.
Crise
Naturalmente, as dificuldades econômicas por que passa o país, se não estão ajudando os homens, muito menos as mulheres.
“Se a crise (econômica, ética e política) botou tanta gente boa na rua, imagine se iria poupar as mulheres! Muitas foram dispensadas sob esse argumento e partiram para caminhos alternativos”, lembra Renata Giese, que trabalha no momento numa agência de comunicação interna e design estratégico e se considera feliz da vida:
– Tenho mais tempo para mim, o estresse é menor, o relacionamento entre as pessoas é mais fácil. Mulheres são por natureza alternativas. As mulheres continuam lindas e poderosas, mas longe dos holofotes da propaganda convencional. Onde você menos espera, olha lá uma criando, escondida em pequenas agências, pintando suas telas, escrevendo seus livros, criando capas de livros. Escolhendo outras maneiras e lugares para se expressar.
Ou seja, cada vez mais, procurar a felicidade também é fundamental como projeto de vida. E Cristina Amorim, que também partiu para um caminho alternativo, justifica:
– Mulheres, quase todas, têm um segundo turno, certo?! E se o salário não valer a pena, talvez seja melhor cair fora, partir pra outra… é o custo-benefício, fica mais barato.
Alessandra Sadock também já testemunhou esta situação:
– Já vi várias amigas abandonando a propaganda por uma vida mais calma e mais perto da família. Mas também já vi, recentemente, um redator abandonando pelo mesmo motivo. A mulher estava num momento profissional especial e, para ter filhos, decidiram por ele ficar em casa. Assim como ouvi a história de um diretor de arte que trabalha em São Paulo e sempre avisa, logo que entra numa agência — e ele já trabalhou em algumas grandes –, que seu horário de saída precisa ser às 19h. Ele cria um filho pequeno sozinho e nunca teve problemas com essa questão. Achei incrível. E achei incrível achar tão incrível assim.
Cristina Amorim, que já passou pela experiência de ter sido contratada por uma agência mesmo estando grávida, conta a sua experiência atual:
– Não voltei a trabalhar em agência porque a crise começou e foi destruindo tudo pelo caminho. Não foi por causa de carga horária e qualidade de vida. Na verdade eu aprendi a viver feliz assim e tirava isso de letra. Mas como voltar para um mercado que está demitindo em massa, agências fechando, recessão violenta? Precisei partir para um plano B, o de freelancer para agências, trabalhando em concorrências de todo tipo… o que foi muito bom para um plano alternativo. E também abri a Ô, uma marca de roupa feminina junto com a minha filha Pri, e que está sendo uma experiência muito legal. Enfim, agora a ideia é ganhar tempo… esperar essa crise passar e partir pra cima de novo, porque adoro publicidade!
Pois é… será que trabalhar em publicidade vicia?
Adorei ver a matéria que chegou logo através de uma aluna. O assunto é absolutamente relevante. Discuto sempre em sala de aula. Não estou em agência. Dou aula no IBMEC/Comunicação Social. Conjugo com um trabalho independente de criação de roteiro. Na faculdade, ensino os “truques do bom publicitário”, mas faço questão de alertar alunas e alunos sobre as assimetrias de gênero. Não só no mercado de trabalho, mas na sociedade de maneira mais ampla. Vivemos um momento de transformação cultural intensa. Precisamos estar atentos. E refletir isso na publicidade que a gente produz. A responsabilidade é grande. Já que a nossa potência transformadora é enorme. Somos multiplicadores de valores. Alteramos ou confirmamos comportamentos e visões de mundo. A publicidade não é uma ilha. E aquele “mundo masculino que tudo me daria” já não dá mais. As mulheres podem fazer a diferença. Temos um outro olhar. Precisamos, sim, de mais mulheres na criação. Estimulo minhas alunas. Elas já são maioria em salas de aula. Por que não?
SOBRE O DEBATE MULHERES NA CRIAÇÃO
Li agora o debate sobre as mulheres na Criação. Realmente, sempre convivi com poucas nos meus quase quarenta anos de publicidade. Trabalhei com a Rachel Braga, na Thompson, na Jotaé e na CBBA. Com a Ana Carmen Longobardi, a Marise Araujo e a Ilda Fucshuber na Mc Cann. Com a Deyse Dias Leite na JMM. E a grande Cristina Amorim, minha ídola, que tive o prazer de contratar quando Diretor de Criação na CBBA.
Tinha conhecido a Cristina na Estrutural, eu era redator e ela estava começando… Fui para a CBBA em dupla com João Carlos Matano, contratados pelo Franco Paulino, grande figura. Mas alguns meses depois Franco saiu e me promoveram para o lugar dele. Um belo dia, surge vaga na Direção de Arte. Lembrei-me da Cristina Amorim na hora. E a chamei para conversar.
Ela veio, uma sexta-feira, sentou-se à minha frente, na sala de reuniões, colocou a pasta em cima da mesa mas já foi logo dizendo:
– Trouxe a pasta, mas nem precisa abrir. Acabo de vir do médico e olha aqui, você é o primeiro a saber, nem meu marido sabe ainda. Não vai dar pra vir, quem iria contratar uma grávida?
A conversa foi mais ou menos essa. E me estendeu um papel com o atestado de gravidez. Vi a pasta, falamos um pouco e ela foi embora, agradecendo o convite.
Mal ela saiu, fui para a sala do Antônio Carlos Guerino, o Diretor de Operações da agência. E disse que iria contratar a Cristina. E que ela estava grávida. Ele perguntou se eu estava louco. Eu disse que sim, mas que não abria mão de contratar a Cristina. Argumentei que, pelo que sabia dela, ela iria trabalhar até o último dia e que voltaria ao trabalho antes da acabar a licença maternidade, porque era apaixonada pelo que fazia. E argumentei ainda que o salário dela durante a licença seria pago pelo INSS, cobrindo qualquer gasto com um temporário.
Guerino aceitou o desafio e, concordando comigo, convenceu o Jomar, Presidente da agência, e os mandões de São Paulo, ouvindo deles também a pergunta se estava louco. Estávamos.
Isso foi na sexta. Na segunda-feira, logo na primeira hora, liguei para a Cristina e perguntei quando ela poderia começar. Ela não acreditou, mas acabou aceitando e marcando a data da estréia. Não sem antes fazer a repetida pergunta:
– Você está louco?
Estava.