Janela Publicitária    
 
  Publicada desde 15/07/1977.
Na Web desde 12/07/1996.
 

Janela Publicitária - Edição de 01/AGO/1997 - Espaço da Criação
CCRJ Clube de Criação do Rio de Janeiro

 

Esta coluna era integrante da Edição Mensal Especial da Janela Publicitária, publicada no jornal Monitor Mercantil.
O seu conteúdo foi escaneado e transcrito para ficar à disposição de consultas pela internet.

"É preciso resgatar a virtude de indignação"
José Saramago

Era uma matéria de uma grande revista mostrando as nuances do relacionamento do casal moderno. O porquê de tantas separações, brigas, etc. Foi que descobriram lá no interior de Goiás um casal que estava junto há 20 anos e nunca tinha brigado. Pasmos, mandaram uma repórter para conhecer com detalhes essa assombrosa relação. Chegando lá foi super bem recebida, conheceu a fazenda, fez a matéria e ficou prá jantar. Lá pelas tantas, o marido pediu licença à esposa, à entrevistadora e se retirou para os seus aposentos alegando cansaço. Uma vez a sós com a esposa, a entrevistadora apelou: "olha, tá tudo muito bem, a relação de vocês é linda, mas não é possível que não tenha tido nem uma briguinha nestes 20 anos. Conta vai, eu nem coloco na matéria...". E a esposa finalmente cedeu. Fechou as portas e como se contasse um segredo revelou: "olha, pra falar a verdade a gente já brigou sim. Mas só uma vez, na noite do casamento. No fim da festa, voltamos de charrete para casa. Foi quando de repente uma cobra assustou o cavalo, ele empinou, quase virou a charrete, mas meu marido a muito custo dominou a situação. Ele virou pro cavalo e disse: uma. Mas adiante um bando de cachorros novamente assustou o cavalo, que empinou, quase virou a charrete, mas meu marido controlou a situação. Ele virou pro cavalo e disse: duas. Já chegando aqui na fazenda o cavalo tropeçou num tronco, escorregou numa poça, quase virou a charrete, mas, meu marido com muito esforço, mais uma vez controlou a situação. Ele virou pro cavalo e disse: três. Aí sacou o revólver e matou o pobre garanhão na hora. Eu fiquei louca da vida, achei uma maldade e comecei a gritar que aquilo era uma covardia, um absurdo, etc, etc. Ele virou pra mim e disse: uma.
O que eu tenho sentido é que os clientes estão cansados de casamentos sem briga. Agências espremidas pela necessidade de faturamento pra pagar suas contas deixam de discutir, argumentar, recomendar, ousar, dizer não, temendo o tiro no cavalo. Se por um lado isso gera uma relação aparentemente mais cordial, confortável, sem brigas, gera também um cliente que pouco a pouco vai perdendo a confiança, o respeito, a admiração.
Acho mesmo que vem daí o sucesso das agências que tem à frente um criativo. Ou que têm a frente alguém com este perfil, independente da sua formação profissional. Vejo clientes querendo falar com quem faz, querendo ser convencidos não do que querem, mas do que a agência com convicção e apaixonadamente defende ser o melhor. E é aí que surgem os casamentos sinceros, transparentes, as relações que atravessam os anos, as agências que despontam no mercado com arrojo, qualidade, trabalho impactante e diferenciado. E os clientes que crescem e às suas verbas a partir do resultado que esse tipo de relação provoca.
O mercado está mudando de mão. Novos talentos estão surgindo. Percebe-se claramente a entrada de uma geração de criativos extremamente bem informados, informatizados, internautas, etc. Nunca se teve tanto e tão rapidamente acesso à informação. Mas é preciso que as agências invistam, apostem, deem espaço, briguem por estes talentos e pelas ideias que deles nascem. Que as agências incentivem a originalidade, a ousadia, a coragem de criar. Que as agências se revoltem contra o tiro no cavalo. Quantas vezes for necessário. Sem medo de morrer.

• Sérgio de Paula
Presidente do Clube de Criação do Rio de Janeiro