Sem qualquer sombra de dúvida, Pedro Portugal, diretor de Criação da Kindle, assinou um dos melhores textos da Janela deste ano. À época, escreveu sobre a febre dos bebês reborn e arrancou de todos nós muitas gargalhadas e, de quebra, um novo olhar sobre a então mania nacional.
Depois do caos em que o Rio de Janeiro, mais especificamente o Complexo de Favelas da Penha, mergulhou na última terça-feira, dia 28 de outubro, fiquei pensando sobre o quanto a imagem da cidade havia sido – ainda mais – destroçada. Vivi alguns anos nos Estados Unidos e de lá voltei por algumas razões, entre elas, por saudades da cidade onde nasci. E quando aqui cheguei, me surpreendi; a cidade que eu deixara anos antes não era a mesma, o carioca gente boa também não. De lá pra cá, confesso que me sinto uma estrangeira no lugar em que nasci, cresci e vivi muitos dos melhores dias da minha vida.
Como não sou adepta do vitimismo, prefiro buscar uma solução para resolver aquilo que não me agrada. E ficar falando mal do Rio não vai resolver o caos onde vivemos hoje. Somos profissionais da comunicação e, como tal, temos por obrigação de ofício colocar a comunicação a serviço daquilo que queremos: um Rio melhor, mais feliz, mais seguro, mais justo e menos segregador. Pensando nisso, convidei Pedro Portugal para falar sobre o tema. Ele, mais do que qualquer outra pessoa, tem propriedade para explorar o assunto. Pedro mora a dois quarteirões de onde enfileiraram dezenas de corpos, imagem que percorreu o mundo e, sem qualquer dúvida, vai nos assombrar por muito tempo ainda. O olhar dele é o olhar de quem, além de saber sobre o que fala, é também o de quem pode nos dar sugestões desse caminho que temos a percorrer.
Convido você a ler e a, junto conosco, conversar sobre o assunto. Precisamos falar sobre isso.
“O REBRANDING DA HUMANIDADE
Quase desisti de escrever. Chorei algumas vezes tentando rascunhar as primeiras linhas. Comecei a
ensaiar um pedido de desculpas à Renata Suter, editora da Janela Publicitária, por ter aceitado o
convite para escrever sobre ‘Como reverter a imagem do Rio?’ depois dos acontecimentos no
Complexo de Favelas da Penha. Achei que não conseguiria entregar este artigo. O sentimento de
impotência me dominou. Como morador e favelado, a imagem de dezenas de corpos no chão, a dois
quarteirões da minha casa, é perturbadora. Tão forte que ganhou o mundo, mostrando a verdade por
trás do Pão de Açúcar, do calçadão de Copa e do Cristo de braços abertos.

Lembrei do artigo ‘O rebranding da favela’ com o qual colaborei durante o mestrado. Nele, eram
citados os esforços de marketing para melhorar a imagem da cidade com foco na Copa do Mundo no
Brasil em 2014 e nos Jogos Olímpicos no Rio em 2016. Quais esforços? A ocupação do Complexo do
Alemão em 2010 com hasteamento da bandeira nacional, a inauguração de um teleférico do Alemão
em 2011, a instalação em 2012 de painéis de acrílico nas principais vias expressas para esconder as
favelas e muito mais.
A ativação da marca ‘Rio’ no exterior foi o famoso “para gringo ver”. Uma maquiagem com sujeira
debaixo do tapete. Hoje, na Linha Amarela, os assaltos são comuns mesmo com as placas de acrílico
separando a favela do asfalto. O teleférico que ajudava a população favelada encerrou as atividades
em 2016, ironicamente logo depois dos jogos olímpicos. A ocupação dos Complexos da Penha e do
Alemão foi tão bem sucedida que em 2025 a entrada de policiais na comunidade paralisa a cidade
inteira.
Não dá pra resolver o problema de imagem do Rio negligenciando o Rio. É fundamental parar de
olhar para territórios como obstáculos. O que vem na sua mente quando você pensa em favela?
Deveria ser criatividade, cultura, gente trabalhadora, potência, senso de comunidade. Cenário da
maior parte dos confrontos da operação desta semana, a “área de mata” tão falada na imprensa é parte
da Serra da Misericórdia – foto abaixo. Experimenta jogar no Google “Serra da Misericórdia” ou “lagoa azul complexo do alemão”. Combina com a imagem que você tem de favela?

A população geral precisa ressignificar a favela para garantir que o Estado enxergue esses territórios
como parte da cidade, recebendo o mesmo tipo de atenção que bairros como o Leblon, onde não há
tantos problemas com saúde, educação, cultura ou lazer. É preciso ocupar com cidadania para dar uma
perspectiva para as novas gerações, num trabalho de longo prazo, como todo bom rebranding. Do
contrário, muito a contragosto, vou ter que concordar com o rapper Oruam quando ele diz que “vai
morrer polícia e bandido e o crime não vai acabar”.
Escrevi. Tá aqui o artigo. Lembrei da ONG que faço parte, o Voz das Comunidades, e do esforço diário
deles para mostrar o lado bom da favela. Minha força vem daí, da esperança à prova de balas que é o
esforço de olhar o copo meio cheio. Por isso, não queria aqui o triste retrato de um policial morto ou de
uma mãe desesperada com o corpo do seu filho no chão. Esse não é o momento de brindar à falta de
dignidade. Porque alguém valoriza um corpo estendido no chão, a inoperância do estado matou mais
um. Afinal, o ser humano sem humanidade é só um cadáver adiado. Pedi então que a Renata
escolhesse uma foto bonita do Complexo. Será esse o primeiro esforço de mais um rebranding do Rio.”
Nota da editora: Apesar do pedido feito a mim pelo Pedro, ele mesmo selecionou as fotos. E eu pergunto a você: essas imagens combinam com a imagem que você tem de uma favela?
Fotos de abertura deste texto e do Complexo de favelas do Alemão: Bruno Itan



















