Como prometido aqui, há duas semanas, dia 1 de setembro, Toninho Lima, redator Estratégico Sênior da Next, continua, neste terceiro e último capítulo de ‘Meus tipos inesquecíveis’ nos contando um pouco mais sobre publicitários que deixaram suas marcas por onde passaram.
“JOÃO RENHA – foto acima – chegava do almoço entre trôpego e animado nos tempos em que fui seu diretor de criação na SGB. “Sargento Renha se apresentando, senhor!” Era repetidamente advertido e jurava teatralmente que aquilo jamais aconteceria de novo. Até o dia seguinte, claro. Assim, um dia, com muito desgosto, porque éramos e ainda somos muito amigos, tive que cumprir a dolorosa missão de demiti-lo. O que ele, diga-se de passagem, encarou com a maior altivez e serenidade. Acontece que eu acabei arriscando contratá-lo novamente, quando já estava na Artplan. Ele já não estava mais praticando o halterocopismo e estava entregando um trabalho criativo brilhante na Giovanni, o que me levou à decisão. Correu tudo bem, ele produziu excelentes trabalhos na Artplan, mas houve um corte de custos e precisei incluir o nome dele na tal lista de demissões. Meu amigo me olhou, balançou a cabeça e depois soltou uma gargalhada. Para arrematar, fez um pedido: “Por favor, me promete que você nunca mais vai me contratar?”
CARLOS PEDROSA – foto acima -, com muita certeza, é o tipo inesquecível de toda uma legião de admiradores. Lembro que, no dia em que fomos apresentados, ao apertar a sua mão, eu quis dramatizar minha admiração: “A partir de hoje, nunca mais lavo esta mão”. Ele sorriu enigmaticamente e disse: “Vou me lembrar de nunca mais apertar sua mão…” Minha última recordação dele foi numa festa do Colunistas, dos tempos em que ainda era no Hotel Intercontinental. Uma operadora de telefonia que patrocinava a festa, ofereceu três aparelhos celulares para sortear entre os convidados. Era para promover um novo modelo da Nokia, uma beleza de design. Eu estava louco por um daqueles, era realmente um celular incrível na época: pequeno, prático e bonito. E era cromado. Lindo. Na hora do sorteio eu vi gritarem o nome ‘Carlos Milton Romano Pedrosa’! Caramba, pensei, o Pedrosa ganhou um Nokia cromado! Vi o nosso querido colega galgar a escadinha que levava até o palco e pegar a caixinha com o celular, posar absolutamente sem graça para as fotos e descer para voltar à sua mesa. No fim da festa, como era de costume, surgiu o convite para o jantar da empresa em que ele trabalhava na época, para a galera da agência e alguns raros convidados. Eu fui um deles. Como iríamos ao mesmo restaurante, ofereci carona ao meu amigo e ídolo. No trajeto, eu tentava puxar conversa, mas ele estava monossilábico e olhava o Nokia que estava em sua mão, com ar intrigado. Olhava, olhava, desistia e enfiava no bolso da camisa. O cigarro apagado, na sua boca, o tempo todo. Logo ele pegava o celular no bolso e ficava examinando, virando na mão. Aí quem estava intrigado era eu. Perguntei o que ele estava estranhando. Ele me olhou como quem pede socorro e balbuciou: “Estou aqui, meio perdido… não consigo descobrir como é que se acende esse isqueiro que eu ganhei na festa”. Ok, só posso dizer que o jantar foi uma delícia e que o Pedrosa conseguiu acender o cigarro no acendedor do meu carro. Só pedi que mantivesse a janela aberta.
ERCÍLIO TRANJAN – foto acima – era um dos maiores motivos pelos quais eu me orgulhava muito de trabalhar na MPM Propaganda, nos anos 1980. Eu fui um estagiário e júnior que devorava os anuários do Clube de Criação de São Paulo e ele era um dos meus maiores ídolos. Junto com Sergio Gracciotti, Giba dos Reis e Paulo Leite, formava o meu dream team da criatividade. E eram meus colegas de agência, só que em São Paulo. Claro que eu cruzava todos os dias nos corredores da MPM Rio com o João Galhardo, o Liber Mateucci, o Ernani Gouveia, o Eduardo Correa e o Alcides Fidalgo. Eram, também, gigantes da criação brasileira. Mas o Ercílio era o ídolo deles, também. Aí, quis o destino, o Ercílio veio morar no Rio, assumiu a direção de criação da Propeg por aqui e a gente sempre se encontrava nos eventos da publicidade carioca. Houve um tempo em que todos os publicitários do Rio se encontravam, às sextas-feiras, para o almoço, numa famosa churrascaria. Ali, sempre que eu podia, garantia um lugar na mesa do Ercílio. Achava o máximo estar com ele, conversar com ele. Um dia, o assunto foi política. E eu discordei abertamente da opinião dele. Baixou um silêncio sepulcral na mesa. Ele me olhou com raiva e disse: “Saia já da minha mesa, seu merdinha!” Eu lembro até hoje do susto e da vergonha que senti. Saí de fininho e fui me sentar na mesa do pessoal da minha agência. Passados uns minutos, um século e meio para mim, ouvi sua voz tonitruando novamente: “Volta, seu merdinha, que eu te amo!”
FRANZÉ – foto acima – não era meu colega, era meu patrão. Minha segunda passagem pela Artplan se deu em sua administração e foi ele quem definiu minha contratação. E nosso relacionamento não foi, como se deveria esperar, dos mais litúrgicos. Eu assumi a supervisão de criação em um grupo que cuidava dos lançamentos imobiliários de algumas empresas do setor que contavam com a reconhecida expertise na área da Artplan e do Franzé. Implicante, ele sempre criticava o que eu apresentava com a mesma piadinha: “Velho só tem ideia de velho…” E eu sempre replicava, o que ele, claro, adorava. Queria me desestabilizar e conseguia sempre. Era bem mais velho e combalido do que eu, mas só me chamava de velho, velhinho, vovô Toninho. Um dia eu cansei e pedi para mudar de grupo de contas. Fui ao Roberto Vilhena e ele decidiu me tirar das contas do setor imobiliário e me livrar do Franzé. Pensei: agora ele se livrou de mim e eu dele. Passadas algumas semanas, vieram me dizer que o Franzé estava postado na entrada do salão da criação, esperando para falar comigo. Caramba, ele era o chefão da Artplan, junto com o Rodolfo Medina e o Lionel Chulam. Podia entrar onde quisesse, na hora em que bem entendesse. Fui até a entrada do salão, cheio de marra (que eu também não era nada fácil) para encontrar com ele. “O que foi?”, disse de modo um tanto brusco. Mal acreditei nos meus ouvidos quando ouvi a sua voz, quase num tom humilde, dizer: “Eu queria te pedir desculpas pelas brincadeiras. Eu só brinco assim com quem eu gosto e eu gosto muito de você”. Ele até frisou o muito da frase. Nunca mais brigamos. Mas eu nunca mais atendi as contas do grupo dele. Bom que restou o que mais importava: a nossa amizade.
EDESON COELHO – foto acima – perdia o amigo, mas nunca a piada. Debochado, maledicente, crítico agudo. Mas era um tremendo líder e dirigia o atendimento da MPM com maestria. Sempre gostou de mim, eu acho. Porque sempre me passava as tarefas mais nobres e complexas. Assim, eu virei o redator de marcas como Petróleo Ipiranga e Sul América, quase que exclusivamente. Até hoje acho que fui salvo por não usar barba, naquela época tão comum entre os criativos, a quem ele só se referia, sempre zombeteiramente, como os barbudinhos da criação. Um dia, eu estava entretendo os diretores da Sul América para disfarçar a sua ausência na reunião agendada há dias para a apresentação do novo filme da seguradora. Ele estava muito atrasado. O telefone da sala de reuniões tocou. A assistente do atendimento me chamou. Era o Edeson. “Faça exatamente como eu estou dizendo: diga aos clientes que estou enrolado com um copião, mas que já estou a caminho”. Ainda insistiu antes de desligar: “Diga exatamente assim!” Voltei para a mesa de reunião e avisei aos clientes exatamente o que ouvira do Edeson ao telefone. Logo, vimos a figura chegar, todo enrolado em um filme 35mm (que chamávamos de copião) como se fosse uma echarpe em volta do pescoço. Figura maluca, o Edeson.
Enfim, se eu puxar pela memória, muitos outros tipos inesquecíveis serão relembrados. Alguns até foram citados nos capítulos dessa série. A todos eles, quero dedicar a minha gratidão e a minha saudade, aos vivos e aos já desaparecidos, com o mesmo afeto. E você, que está me lendo agora, pode muito bem ser um deles.”