Sabe quando um assunto remete você direto a uma pessoa? Foi assim que aconteceu comigo, quando, no dia 8 de maio, li notícia que dizia: “Câmara Municipal do Rio aprova criação do ‘Dia da Cegonha Reborn’ no calendário oficial da cidade”. Dali em diante, o assunto dominou as mídias sociais, parecendo ser assunto único de brasileiros e brasileiras.
Impossível não rir ao ler essa chamada, impossível não pensar no que existe de sofrimento, frustração ou dor por trás disso. E na mesma hora lembrei do meu querido Pedro Portugal, que tem exatamente o necessário para falar mais sobre o assunto: humor e sensibilidade.
Divido com vocês, o texto que eu pedi, o Pedro escreveu e é o segundo texto não escrito por mim que eu adoraria ter escrito, é imperdível!
“Imagine um bebê que nunca chora, nunca cresce, nunca te interrompe no meio da vídeo chamada do home office e, de quebra, é mais bem cuidado que você. O Bebê Reborn é o sonho de maternidade com botão de desligar. Mas por trás desses olhinhos de vidro há muito mais do que silicone e roupinha de tricô: há um baita retrato da nossa sociedade. Por isso, esse texto tinha tudo para ser mais soltinho e bem humorado, cheio de piadas que provavelmente esbarrariam no politicamente correto, fazendo com que algumas pessoas se sentissem ofendidas. Então, não. Escrito, deletado, reescrito, ajustado, o que temos é um artigo renascido, um artigo reborn.
Estamos inseridos numa sociedade onde reina a cultura da perfeição e da performance, que dita o que devemos ser. Então, se for estudar, seja o melhor da turma. Se for gerar conteúdo, seja o influencer mais engraçado. Se for ser macumbeiro, seja o melhor filho de santo. Se for ter filhos, seja o melhor pai ou mãe do mundo. Se for trabalhar, seja um profissional premiado. Se for inscrever no Prêmio Colunistas, é pra ser agência do ano.
Pronto, junte à essa pressão a busca por aceitação, a lacração e a voz que as redes sociais proporciona aos idiotas. Eis a fórmula para entender como a ansiedade social afeta o comportamento e a vida cotidiana. Cansativo. Não dá pra ser bom em tudo e o tempo todo. A verdade é que ninguém aguenta mais e o reflexo é um consumo baseado na nostalgia, que recria o tempo onde eu e você só buscávamos uma coisa: brincar.
Câmeras analógicas, calças largas, filme da Barbie, bebês reborn. O saudosismo vende. O passado está na moda porque estamos nos arrastando no presente. É hora de entender que a vida não é um TikTok, onde você precisa comentar e filosofar sobre algo que não gostou só para caçar aos likes. Cresce. A onda de bebês reborn é impulsionada por cada palpiteiro que não consegue enxergar a válvula de escape de quem está no limite. É claro que levar um bebê de silicone ao médico, vacinar, fazer teste do pezinho ultrapassa o lógico, mas no geral não há nenhum absurdo em ser uma mãe reborn. O surrealismo só acontece quando existe audiência.
De fato, isso aqui podia ser um texto cheio de humor, mas é sobre a sanidade. Não de quem é mãe ou pai reborn. É sobre a sua sanidade. Particularmente, eu parei de bater palma para maluco quando entendi que também tenho minhas maluquices. Coisa de gente renascida, coisa de gente reborn. Então, pare de perder tempo. Deixe as crianças brincarem, as de hoje e as de ontem.”
Pedro Portugal é diretor de criação da agência Kindle.
Adorei!