Não bastasse ser motivo de representações no TCU (leia mais abaixo), a concorrência de R$ 60 milhões anuais pela conta corporativa da Secom da Presidência, através do Ministério das Comunicações, vem recebendo críticas também das agências do setor, que acusam a disputa de ferir a livre concorrência, ao incluir tamanho número de exigências, que pouquíssimas agências teriam condições de comprovar.
O próprio valor da verba impressiona, considerando que será para apenas uma contratada e com a perspectiva de se repetir por até cinco anos. Para se ter uma ideia, apenas quatro agências de comunicação corporativa, segundo o Anuário da Comunicação Corporativa, produzido pela Mega Brasil, teriam faturado valor superior a R$ 60 milhões em 2020. A FSB declarou R$ 253,2 milhões, o Grupo In Press R$ 168,6 milhões, o Grupo Ideal (Hill+Knowlton) chegou a R$ 75 milhões e a Máquina Cohn & Wolfe R$ 74,5.
Ou seja, o montante que o Governo Bolsonaro quer investir em seu RP no exterior em apenas um ano de contrato chega a quase a quarta parte de tudo o que a FSB — a agência que detém a maior participação em contas públicas no Brasil –, contabilizou em 2020.
Distorções no edital
A acusação de que o processo fere a livre concorrência, pelo que a Janela apurou em conversas com dirigentes do setor, se baseia, principalmente, na exigência de que, para comprovar sua capacidade técnica, a concorrente precise demonstrar já ter prestado os serviços especificamente para o Governo Federal, por pelo menos 36 meses. Ou seja, por este critério, somente as agências atualmente contratadas por Brasília poderiam participar da nova conta.
O prazo de três anos também é apontado pelos executivos como danoso, lembrando que a Secom não levou em consideração que, desde 2020, estamos vivendo sob a pandemia da Covid-19 e muitos eventos através do mundo foram cancelados. “Faria mais sentido terem colocado 60 meses”, alegou o dirigente de uma das empresas consultadas.
Exigências descabidas
Aparentemente, a própria Janela encontrou uma inconsistência no edital. Na página 28, o item 1.18 se refere a “Planejamento de Eventos no Exterior”. Já na planilha de pontuação, à página 56, o item 1.18 é listado como “Planejamento de Eventos no Brasil”.
Os dirigentes das agências de comunicação corporativa também apontam como absurdo terem que provar já ter contratado, recentemente, intérprete de idioma diferente do inglês, francês, espanhol ou alemão. Como explicam, tradução simultânea não faz parte das atividades inerentes à comunicação corporativa. “Isso é serviço de terceiros e não faz sentido ser usado para determinar a capacidade técnica ou não de uma determinada empresa”, protestam.
Estas avaliações subjetivas estão motivando muitas empresas de RP a analisarem se compensará ou não participar da licitação. Os custos de preparar propostas, avaliam, pode ficar entre R$ 70 mil e R$ 100 mil, considerando compra de pesquisas nacionais e internacionais, mais a contratação de profissionais para desenvolver as peças criativas.
Sem a certeza de que a disputa será isenta, o investimento passa a ser arriscado, dizem.
Briga política
Paralelamente, a concorrência vem recebendo tiros também da área política, até por conta de o briefing passado para as agências do que seriam as realizações do Governo Bolsonaro a promover no exterior conter informações contestadas pela imprensa.
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) entraram com representação no Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo a suspensão da disputa, assim como protocolaram uma ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal contra o coordenador-geral de recursos logísticos do Ministério das Comunicações, Ivancir Gonçalves da Rocha, que assina o edital publicado pelo Governo.
Para os parlamentares, a licitação — a maior já realizada no governo para esse tipo de serviço –, “provocará uma grave lesão ao patrimônio público”. Também haveria uma outra manifestação no TCU, provocada pelo subprocurador-geral de contas Lucas Furtado.
Nesta segunda-feira, 22/11, a jornalista Malu Gaspar, de O Globo, registrou que o procurador do Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo de Oliveira, na sexta-feira, 19/11, apresentou ao relator do processo no TCU, o ministro Walton Alencar, um pedido de suspensão da concorrência, que tem a sua data de entrega marcada para 13/12.
Malu Gaspar aponta que, segundo informações do Portal da Transparência do governo federal, “a Embratur tem hoje três empresas prestando os mesmos serviços que o Ministério das Comunicações pretende contratar. Uma faz assessoria de imprensa nacional (Inpress) e duas, assessoria de imprensa internacional. A FSB trabalha na América do Norte, na América Central, na América do Sul, na África e na Oceania. A Ogilvy & Mather atua na Europa e na Ásia”.
(Foto de Jair Bolsonaro por Sergio Lima – Poder360)
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