Mais antiga que os tempos de Don Draper (Jon Hamm) na série ‘Mad Men’, a expressão “agência de propaganda” parece estar caindo em desuso em muitos países. Mudando de série, agora para a nova produção da Netflix, a comédia romântica ‘Emily in Paris’, vemos que a protagonista trabalha em uma agência de Chicago que se identifica como “Marketing Agency”. E, enviada para representar a matriz na agência recém-adquirida em Paris, ela enfrenta a dificuldade de convencer os franceses a modernizar suas estratégias de comunicação — incluíndo o digital — para os clientes locais.
O Brasil, que vive o paradoxo de ver agências de publicidade e agências de marketing digital disputando o mesmo espaço, inclusive representadas por entidades diferentes, ficou a sensação para a Janela que estamos começando a ficar um tanto desatualizados.
Quando vemos também clientes ampliando suas estruturas internas de comunicação, contratando gente que já foi de agência, fica a pergunta: manter a terminologia “de propaganda” ou “de publicidade” pode estar passando uma imagem velha para o mercado anunciante? Será que já há um ranço quando se fala na velha propaganda?
Em conversa com a Janela, o presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), Mario D’Andrea, admite que não lembra de já ter visto este tema ser discutido na entidade. A mesma sensação foi passada pelo presidente da Federação Nacional das Agências de Propaganda (Fenapro), Daniel Queiroz. Na verdade, uma pequena discussão aconteceu em 1997, quando o presidente da Abap Flávio “Faveco” Corrêa mudou o nome da associação, anteriormente “de Agências de Propaganda” para “de Agências de Publicidade”. A justificativa era que “Propaganda”, em outras línguas, não é a mesma coisa de “Advertising”, mas carrega um sentido de manipulação com fins políticos.
Para Mario D’Andrea, que recém deixou o cargo de presidente da Dentsumgarryboeen, o nome “agência” incomoda porque remete ao agenciamento — no sentido de intermediação — que elas faziam, na sua origem, entre clientes e veículos de comunicação. O presidente da Abap conta ter se surpreendido, quando assumiu a entidade, ao ver que, fora de São Paulo, a esmagadora maioria das agências já tem a maior parte da sua receita de outras fontes que não a compra de mídia. “O negócio acabou se reinventando, com as agências se remunerando por outras atividades como posicionamento de marca e até mesmo promoção de eventos”, explicou.
Essa perda da importância da mídia no negócio, vale falar, não é nova lá fora. Há um episódio do Mad Men em que Joan Holloway (Christina Hendricks) visita um consultor que informa saber que muitas agências da época já vinham vendo crescer a participação do fee em suas remunerações.
Daniel Queiroz também não gosta do termo “agência de propaganda” — ele preferiria ‘consultoria de comunicação’ — mas defende a ressignificação de ‘agência’ para “quem faz a aproximação do cliente aos melhores fornecedores e às melhores ferramentas para a sua comunicação”. O presidente da Fenapro também não gosta de “agência de marketing”, como vemos na série Emily In Paris. “Marketing tem que ser um domínio do cliente. Nossa parte é a comunicação, mas entendo a adoção do termo porque as agências estão buscando se envolver cada vez mais com o negócio do cliente”, ressalva o executivo, admitindo que a agência deve, sim, “se tornar mais relevante entendendo as necessidades comerciais do cliente e o ajudando a conquistar clientes”.
Mario D’Andrea não só pensa da mesma forma como garante que, sempre que atuou em agência, se envolveu tanto nos negócios dos clientes que até participava de reuniões de seus boards.
Paulo Castro, diretor geral da carioca Agência3, também revela que sua empresa já está envolvida com o marketing de muitos de seus clientes. “Respeito quem só queira fazer publicidade, mas não é nosso caso. Não nos consideramos mais uma ‘agência de propaganda’. Somos uma ‘agência de inteligência de mercado'”, afirmou o Publicitário do Ano do Prêmio Colunistas Rio 2019.
A Agência3 chega a ser responsável pelo SAC da L’Oréal, com profissionais trabalhando dentro das instalações do cliente. “Para fazer trabalhos como comunicação interna do cliente ou inbound marketing, poderíamos até fazer parceria com agências especializadas, mas nossa opção foi contratar profissionais que atuem aqui dentro, sob a nossa marca”, completou.
Marcio Borges, VP da WMcCann Rio, é mais um que sustenta que a maioria das agências há muito tempo não faz mais só publicidade. “Para alguns clientes da WMcCann Rio, a gente nem mesmo faz publicidade”, confidenciou Borges. O dirigente da Agência do Ano do Colunistas Rio 2019, aliás, chama a atenção para o fato de que o mundo não se compartimentaliza mais em muitas outras atividades. “A Globo é uma emissora? É produtora de conteúdo? É uma plataforma de streaming? A Americanas é uma loja física? É um e-commerce?”, exemplifica Borges para demonstrar que as fronteiras estão, cada vez mais, sendo dissolvidas, principalmente a partir do surgimento do digital.
O VP da WMcCann se junta a quem critica que se veja a palavra “agência” apenas do ponto de vista de intermediação. “Somos agentes no sentido de AGIR. A gente não só dá consultoria. A gente põe a mão na massa, a gente executa, faz acontecer.”
A proposta de Marcio Borges é que as agências não se vejam mais apoiadas apenas em criatividade: “Nosso negócio hoje está baseado em quatro pilares: tecnologia, dados, criatividade e estratégia. É assim que estamos atuando na WMcCann”.
Uma coisa que Daniel Queiroz insiste que as agências precisam mostrar às empresas que prospectam ou que atendem é que elas precisam vistas como parceiras estratégicas. Mesmo com a tendência que citamos no início da matéria, de clientes montarem áreas internas de comunicação, diz Queiroz que é fundamental lembrar que a agência tem a vantagem de trazer a oxigenação das ideias, pelo aprendizado constante que ela tem no contato com seus outros clientes.
Se o mercado vai mudar a maneira de chamar as agências é uma discussão que pode apenas estar começando. Mas Mario D’Andrea lamenta que o mais difícil, no Brasil, será mudar a terminologia perante a burocracia governamental. Imaginam a complicação de ter que alterar o nome “Agência de Publicidade” no CNAE, a tal Classificação Nacional de Atividades Econômicas adotada pelo Sistema Estatístico Nacional do Brasil e pelos órgãos federais, estaduais e municipais?
A discussão está aberta. Fiquem à vontade para comentar.