A acusação apareceu na página do Microsoft Sam do Youtube: Todos os comerciais sobre a Covid-19 são assustadoramente parecidos. Diz a postagem que, quando uma empresa ou marca lança um anúncio sobre o coronavírus, ela pode dizer que estamos vivendo “tempos incertos”, mas que “estamos aqui para você”. E que sua principal prioridade são “pessoas” e “famílias”, trazendo seus serviços para o “conforto e segurança de sua casa”. E não se esqueça: “estamos juntos nisso!”
Veja a compilação e, em seguida, o que alguns dos criativos cariocas mais premiados comentaram a respeito, a pedido da Janela:
Bernardo Cople, diretor de criação da Propeg
As semelhanças são mesmo impressionantes. Sem dúvida é um reflexo de milhões de pessoas passando pela mesma situação, e milhares de marcas e agências tendo que resolver o mesmo briefing, com a mesma falta de tempo e recursos, já que nada, ou quase nada, pode ser produzido.
Acho que nunca se viu o resultado de tantas pessoas ao redor do mundo trabalhando no mesmo briefing. E tendo que fazer isso rápido, de uma hora pra outra.
Infelizmente também é uma constatação (compreensível) que marcas nesse momento estão aprovando formas mais conservadoras de comunicação, porque elas também estão com medo.
Trabalho corajoso e criativo demanda tempo, tempo para planejar e criar. E o que temos visto, é que, pelo menos para as marcas, tempo é uma coisa que não temos agora.
Daniel “Japa” Brito, criativo da África-Rio e presidente do Clube de Criação do Rio de Janeiro
Tudo muito parecido, né? Existe uma diretriz de saúde que as marcas buscam reforçar, quase como um manual. Nesse sentido, a repetição do formato talvez ajude mais do que atrapalhe. É importante ampliar o alcance das mensagens mais básicas que podem ajudar a combater o vírus: lavar as mão, ficar em casa… É um desafio ser original nesse contexto. Mas algumas marcas têm conseguido. Quando elas se voltam para a sua própria cadeia de valores, quando elas vão além do falar e passam a fazer. Cito dois filmes como exemplo: a campanha Courage is Beautiful, da Dove (aqui abaixo) e o filme de BR em homenagem aos caminhoneiros (mais abaixo).
Eduardo Almeida, diretor de criação da Nova/SB
Acho que o momento levou quase todo mundo ao mesmo caminho: resposta rápida, de fácil produção. Com o avançar da pandemia, a comunicação tende a mudar. Em breve, as marcas vão falar sobre a retomada. A tendência é que as mensagens sejam menos pasteurizadas, acredito.
Gustavo Bastos, diretor de criação da 11:21
A saída, como em todo o briefing, é procurar um caminho diferente, não ter medo de ousar e de sair do igual. O humor, por exemplo, é uma saída, mesmo em situações como essa ou até por causa dela. Esse vídeo de referência é um exemplo disso, de como o humor funciona”.
Henrique Carvalho, diretor de criação da 3AW
Realmente os briefings acabam sendo todos muito parecidos, um tom otimista, mostrando que o cuidado agora precisa ser com as pessoas e que mesmo longe estamos juntos. É difícil parecer diferente mas o que considero mais importante é que a comunicação seja verdadeira e saia do campo da fala para o da ação. Dessa forma, agências e marcas que conseguirem ser inspiradoras através de suas ações poderão criar vínculos mais fortes com seus clientes e consumidores.
Marcos Apóstolo, diretor de criação da Binder
As próprias respostas que podemos dar serão semelhantes entre si tal qual os comerciais: o coronovirus nos igualou na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na clausura e na criação. É verdade que “fique em casa” como mote de todas as campanhas e suas variantes, não é diferente do comando “doe sangue”, por exemplo.
Criar sempre foi achar um ângulo diferente de falar de um mesmo sintoma, pra ficarmos no glossário do momento. O que certamente está ocorrendo é que o coronavirus, igualou os sentimento e, as mensagens, refletem isso: juntos, mas separados; saudade, o vazio do dia seguinte, etc. E sim: as limitações de produção afunilaram a forma e igualaram as mensagens, pois não há como dar a uma imagem nova, a visão original de uma situação igual para todos ao mesmo tempo. Ou se usa arquivo ou as próprias gravações à distância por celular, o que ajuda ainda mais as ideias a serem monotemáticas.
Ainda assim, você tem boas abordagens, onde o argumento mais criativo é disputado pela qualidade e originalidade do texto.
Esse momento criativo talvez se diferencia aí, o que nos faz retornar ao início da propaganda. Como as imagens são as já existentes, voltamos a dar ao texto, a responsabilidade de ser a ideia principal e argumentativa da peça, deixando ao visual, uma função meramente ilustrativa.
E mais: você pode tirar imagens e fazer um filme cartelado onde só caberá ao texto o protagonismo da ideia, até mesmo quando fala de alguma imagem. O que me lembra Millor: “Uma imagem vale mais que mil palavras. Mas tente dizer isso sem palavras”.
Não se conseguiria fazer um dos anúncios mais clássicos da propaganda mad men, “Follow Me” sem uma foto produzida de um fusca na frente de um Boeing. Mas se tirássemos o avião, deixando o fusca e escrevêssemos “Think small”, ainda assim, teríamos um grande anúncio.
Espero que a pandemia passe pelo bem todos e a felicidade da criação.
Ricardo Real, diretor de criação da Script
Quando uma empresa ou marca faz um anúncio sobre o Coronavírus, a ideia é dizer que estamos vivendo “tempos incertos”, mas que estão fazendo seu papel na sociedade. Estão dizendo que sua principal prioridade são pessoas e famílias, trazendo seus serviços para o conforto e segurança de sua casa. E não esquece de algo fundamental nesse momento: todos estão juntos nisso!
A boa propaganda não é só a criativa. É a bem feita, pertinente e geralmente humana.
Rynaldo Gondim, VP nacional de criação da Heads
Com a pandemia, perdemos os recursos de produção. Essa limitação explica, em parte, as semelhanças das peças no mundo inteiro.
Outra razão é que criativos e clientes andam mal acostumados. Quando precisam fazer um all type ou filme de cartela se atrapalham.
Raros os comerciais brasileiros sem a frase “afastados para ficar juntos”.
Mas com tantas consequências terríveis, gerar publicidade de má qualidade é o menor dos problemas causados pelo novo coronavírus.
E você?
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