• Lei 12.232: mercado questiona suas falhas (Parte 2 – Burocracia)

    Justiça Quebrada

    Imagine a gigante Procter & Gamble demitindo uma agência que lhe atende porque o e-mail enviado ao diretor de marketing pelo atendimento estava escrito em Times News Roman e não Arial.

    A situação está levada ao extremo, claro. Qualquer ser minimamente inteligente concordará que burocracia não pode ser o critério que impeça um anunciante de ter, cuidando da sua publicidade, aquela agência que ele considere a melhor do mercado.

    Não é, no entanto, como pensam os legisladores brasileiros. Desde a aprovação da lei 12.232/2010, que regulamenta as licitações de publicidade para a área pública, somam-se às dezenas os casos de agências de destaque no atendimento à iniciativa privada sendo alijadas de concorrências por terem se distraído em exigências como o tamanho ou a família da fonte de texto, o espaçamento das linhas, a forma de encadernação da proposta, o modo com que fecharam o envelope ou — como acaba de acontecer na disputa pela conta do Senac/Sesc — por ter a agência entregue seu material em DVD e não em pen-drive!!

    País que prima pelo cuidado em fazer as coisas “para inglês ver”, o Brasil definiu que, se obrigar todas as agências a imprimirem suas propostas com espaçamento duplo, o fato de uma agência apresentar seu texto em espaçamento triplo será motivo para permitir a sua identificação.

    Glaucio Binder
    Glaucio Binder

    Glaucio Binder, presidente da Federação Nacional das Agências de Publicidade (Fenapro), é incisivo sobre a necessidade de se repensar o sistema: “A intenção de existência do envelope apócrifo não é eficiente na direção que se pretendia, em 2010”, diz o executivo, que comanda também a agência que leva seu sobrenome.

    Diz Glaucio que “deveria-se criar uma comissão reunindo órgãos públicos e publicitários para rediscutir este modelo. O envelope apócrifo não permite ao anunciante público escolher sua agência como o resto do mercado faz. Escolhe uma proposta no escuro. Não me parece a melhor forma de fazer a gestão da verba pública”, opinou.

    O que os burocratas não perceberam na Lei 12.232 — criada a partir da Lei 8.666, que regulamenta concorrências em geral — é que, diferentemente do que ocorre na venda de pregos, numa concorrência de publicidade as licitantes não apresentam apenas preços em planilhas padronizadas, mas ideias publicitárias, com conceitos, textos, slogans e layouts próprios.

    Convenhamos, caros leitores inteligentes da Janela: Se for para uma agência avisar a um jurado mancomunado com ela como identificar seu trabalho, vai ser bem mais simples contar para ele, diretamente, o tema da campanha — “a minha proposta é a que fala ‘Viva o Brasil'” — em vez de dizer “a minha proposta é a que está escrita em Helvética corpo 14”!

    Tanto faz, é inquestionável, se a pasta foi furada ou grampeada.

    “Isso é um retumbante absurdo!”, disse em seu recurso ao Senac a agência Nacional, personagem do caso acima do DVD X Pendrive. Seguindo o mesmo raciocínio que este colunista apresentou, lembra o advogado da Nacional: “A rigor, e isso salta aos olhos, todas as propostas do plano de comunicação publicitária são ‘eventualmente identificáveis’, já que, por essência, o plano de comunicação deve ter natureza distinta e singular, que exponha a criatividade técnica do proponente!”

    Curiosamente, a equipe do Senac não deve ter lido o próprio edital de sua licitação, que, já prevendo o ridículo do rigor dos detalhes burocráticos, fez incluir estes dois parágrafos:

    25.7. Simples omissões ou irregularidades irrelevantes, sanáveis ou desprezíveis, a exclusivo critério da Comissão de Licitação, e que não causem prejuízo ao órgão licitante.

    25.8. O não atendimento de exigências formais não essenciais não importará no afastamento da licitante, desde que seja possível a aferição da sua qualificação e a exata compreensão da sua proposta, durante a realização da Sessão Pública.

    A não ser, naturalmente, que os jurados tenham considerado a escolha da mídia de gravação uma questão fundamental para a seleção de uma agência de publicidade.

    Flavio Martino
    Flavio Martino

    Mesmo entendendo que, com a colocação de padrões, cria-se uma unificação, o diretor da agência Nova/SB no Rio, Flavio Martino, alerta que está ocorrendo um exagero. “Hoje as agências estão mais preocupadas em não errar do que acertar. Isso tira o melhor das agências”, chama a atenção o executivo, que também acredita que “ninguém vai ser identificado por uma capa preta, uma espiral ou um tamanho de fonte”.

    O resultado prático da presença de tantas firulas burocráticas tem sido uma enxurrada de recursos e contrarrazões redigidos não por publicitários, mas pelos muitos advogados que as agências hoje precisam contratar.

    E que acabam levando que, dentro da expressão jocosa “jus esperniandi” — ou seja, o direito de o perdedor espernear — transporte-se para a área jurídica, fora mesmo do ambiente das comissões e subcomissões de licitação, uma discussão que deveria focar exclusivamente na eficiência das propostas criativas e na capacidade apresentada pelas agências em cuidar da comunicação do órgão público.

    Até mesmo um especialista em leis, como o advogado João Luiz Faria Netto, assessor jurídico de várias entidades do mercado, defende que “a pontuação deveria valorizar estrutura e portfolio da agência para assegurar a qualidade do serviço a ser prestado”. Concordando que “os editais precisariam ser claros e simples com exigências e pontuações”, ele ressalva que, entretanto, a 12.232 é lei, e aí só o Congresso pode melhorar o texto. O problema é que, comenta Faria Netto, o mercado precisa ficar atento, porque sempre existe o risco de que “pode também piorar”.

    Marcello Lope
    Marcello Lopes

    Acreditem: há uma concorrência em uma prefeitura do Estado de São Paulo — por sigilo de justiça pediram que não citássemos o município — parada na Justiça para definir se uma nota de rodapé impressa em azul poderia ter identificado a autoria da proposta. Como se os tribunais brasileiros não tivessem mais o que julgar.

    Marcello Lopes, presidente da agência Cálix, afirma que “o excesso de formalismo nas concorrências deve ser combatido veementemente. Não acrescenta em nada no processo”. Para o executivo, “originalidade, inteligência, inovação e excelência deveriam ser o fatores preponderantes para majoração das notas técnicas”.

    Como ele destaca, a preocupação das comissões de licitação deveria ser se houve um bom entendimento do briefing, não com que cor de texto a agência imprimiu a sua proposta.

    LEIA TAMBÉM NA JANELA

    Lei 12.232: mercado questiona suas falhas (Parte 1 – Julgadores) (em 22/10/2019)

    Quem julga o julgador das concorrências de publicidade (em 28/08/2019)

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    Marcio Ehrlich

    Jornalista, publicitário e ator eventual. Escreve sobre publicidade desde 15 de julho de 1977, com passagens por jornais, revistas, rádios e tvs como Tribuna da Imprensa, O Globo, Última Hora, Jornal do Commercio, Monitor Mercantil, Rádio JB, Rádio Tupi FM, TV S e TV E.

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