21
de junho de 2009, domingo
FABIO SEIDL
PERDE O VOO E FICA ENROLANDO OS LEITORES.
O
LÍDER
A todos os amigos e parentes que me desejaram, por educação,
“boa viagem”.
Minha viagem até Cannes foi o caos. Chupando manga, ainda
por cima.
Graças ao trânsito caótico de São Paulo,
que transforma uma viagem de 50 minutos até Guarulhos numa
via crucis de mais de 3 horas, cheguei 10 minutos após o
fechamento do meu voo no aeroporto.
Depois de falar com 4 ou 5 pessoas, me mandaram falar com um rapaz
que trazia no crachá o cargo de “Agente de Embarque
Líder” da TAM.
Ele começou a me explicar que os voos fecham uma hora antes,
porque estão ligados a um sistema de computadores controlado
não por eles, mas pelo Ministério da Aeronáutica,
que a aeronave já tinha sido repressurizada sem contar comigo
e blablablabla (neste momento, o agente de solo líder se
transformou na professora do Charlie Brown no desenho animado, só
ouvia o blábláblá) e que eu teria que entrar
nas próximas listas de espera.
Quem sou eu para questionar um cara que tem no crachá a palavra
líder.
O que poderia argumentar?
“Mas, agente líder, eu preciso embarcar, sou publicitário,
tenho que ir pra Cannes escrever a Fenêtre...”
E ele: “Grandes merdas ser publicitário....EU SOU LÍDER”.
Para você ver como publicitário é besta. O máximo
que a gente consegue nessa profissão é ter um cargo
com siglas americanas que ninguém entende: CEO, CCO, HBO.
Um sujeito entra pra aviação e vira líder.
Imagina a molecada discutindo na escola...
“Meu pai é médico e descobriu a cura da esquistossomose.”
“O meu é CCO.”
“O meu é LÍDER!”
Quem tem mais moral?
Ainda bem que hoje em dia quase ninguém mais em publicidade
usa a nomenclatura “Chairman”. Lembra disso? Como é
que ninguém nunca se ligou que dizer que pegava mal dizer
que cara mais importante da empresa era o “Homem-cadeira”.
As pessoas deviam pensar: ou esse cara fica sentado o dia inteiro,
sem fazer nada (mais ou menos como os leitores da Fenêtre)
ou é marceneiro da Tok&Stok.
Mas enfim, o Líder mandou e fiquei lá eu, na lista
de espera por mais 3 horas, tentando entrar em dois ou três
outros voos enquanto o líder passava na frente outros camaradas
que chegaram depois de mim. Nada como ser amigo do Líder.
Só consegui sair graças a um agente não-líder
chamado “Rexidaldo”. No crachá estava escrito
“Reginaldo”, mas ele se apresentou assim:
“Oi, beu nome é Rexidaldo, dô beio gribado e
com o dariz entupido, desculpe. Do que posso adender?”
Tava difícil entender o que ele estava falando, porque o
sujeito ainda tinha a língua meio “pgesa”, mas
pesquei que ele era fã da Madonna porque estava cantando
a melodia de “Papa Don´t Preach” para um colega.
Puxei a conversa que tinha visto um show e pronto: foi só
escorregar um papelzinho com o telefone (supostamente meu, na verdade
do Marcio Ehrlich) para ganhar a simpatia do Rexidaldo e meu bilhete
de embarque.
N.R.: Fabio, o Rexidaldo me ligou. Imagina só:
o cara me propôs escrever a Fenêtre em 2010!! Garantiu
que, com ele, não tem risco de haver atraso no aeroporto...
(M.E.)
O AVIÃO
O avião tem uns rituais muito, muito estranhos.
Alguém sabe explicar porque é que, somente nos voos
internacionais, temos que tirar o laptop da mochila na hora de passar
pelo raio-x? Aquilo não é um raio-x? Não deveria
ver através da mochila? E porque na ponte aérea, por
exemplo, você não precisa tirar? Se eu colocar uma
bomba no computador viajando Rio-SP, tudo bem. É isso?
E tem a história de não poder entrar com uma certa
quantidade de líquidos na mala de mão, também
só em voos internacionais. Vi uma menininha tendo que jogar
fora, triste, coitada, seu shampoo do Snoopy, com cheirinho maçã
verde.
“Mas ela só toma banho com o Shampoozinho do Snoppy
Maçã Verde” dizia a mãe, desconsolada.
“Sinto muito, são as regras”.
Se
você quiser comprar, no Free Shop, uma vodka com 80% de teor
alcóolico e um isqueiro entrar no avião com meio Coquetel
Molotov armado, tudo bem, sem problemas. Mas Shampoozinho do Snoopy
Maçã Verde, nem pensar.
Outra coisa que eu nunca entendi: porque é que as pessoas
adoram dizer que tem o sonho erótico de transar num avião?
Onde, meu Deus? Naquele banheiro onde nem um Playmobil consegue
fazer xixi sem encostar a bunda na pia? E olha que Playmobil nem
bunda tem. Imagina dar um sapeca iá-iá na Viviane
Araújo num banheiro do avião. Ou na Mulher-Melancia?
Tem que ser contorcionista. Ou um daqueles mágicos que serram
a mulher em três partes.
Acho que o segundo lugar onde eu MENOS gostaria de fazer sexo é
num avião. O primeiro é no Programa do Galvão
Bueno.
Alguém poderia, por favor, responder em que lugar do avião
as pessoas querem fazer seu nheco-nheco? Naquela cadeira que nem
deita?
Definitivamente, meu maior sonho não é fazer sexo
num avião. É esticar meus joelhos sentado numa poltrona
de avião.
Meus amigos, o que importa é que cheguei, ainda que meio
atrasado, na França. Mais tarde eu volto e escrevo, finalmente,
sobre o Festival.
O redator Fabio
Seidl é o enviado (com todo o respeito) especial da Janela
em Cannes 2009.
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