Janela Publicitária    
 
  Publicada desde 15/07/1977.
Na Web desde 12/07/1996.
 
A Fenêtre é a cobertura da Janela Publicitária em Cannes.
 

19 de junho de 2009, sexta-feira

José Molla
O argentino José Mollá, co-fundador e diretor de criação da La Comunidad (Miami e Buenos Aires). Jurado de Outdoor em Cannes.
LOS HERMANOS, O SHOW

Desde que comecei a fazer esse bico de colunista de Cannes, há 10 anos, já conheci muita gente bacana, muitos profissionais de várias partes do mundo, mas confesso que poucos papos foram tão lúcidos e francos quanto o que tive com José Molla.

Esse argentino, junto com o irmão Joaquim, desbravou os Estados Unidos no início da década para abrir a La Comunidad, em Miami, simultaneamente com um escritório em Buenos Aires.

Tom Selleck, ouro em Cannes 2008 para o Festival de Cinema Independente de Buenos Aires
A entrevista fala por si, e o que o cara construiu já mostra o profissional que ele é. Não vou nem gastar o tempo de vocês com apresentações desnecessárias.

Leiam e aproveitem.

FABIO SEIDL: Você trocou uma carreira de anos de sucesso na Wieden+Kennedy para abrir sua própria agência, especializada no mercado hispânico/latino, quando esse segmento era totalmente subestimado no mercado americano. Oito anos depois, a La Comunidad é uma das agências mais respeitadas do mundo, com um trabalho que além de não ser estereotipado como “latino”, é reconhecido como inovador e criativo. Como foi virar esse jogo?

JOSÉ MOLLA: Antes de mais nada, obrigado pelas palavras. De várias maneiras, a La Comunidad superou as nossas expectativas e está orgulhosa da cultura que ela criou. O próprio nome é um tributo ao que faz a agência ser especial, que são as pessoas que trabalham nela. Eu tenho muita sorte, primeiramente, de ter o talento do meu irmão Joaquim perto de mim e, depois, por trabalhar com tantas pessoas sensacionais na agência. Nós melhoramos uns aos outros. Cada pessoa que está ou esteve aqui tem deixado a sua marca e feito da La Comu o que ela é. Nós tratamos os hispânicos com o mesmo respeito que tratamos qualquer público. Porque o que fazemos é construir relacionamentos entre marcas e pessoas. As verdades de cada um é que são o grande equalizador. Muitas agências ficam com preguiça e só exploram alguns segmentos culturais. Nós não acreditamos que levantar uma bandeira seja suficiente. E procuramos não tratar pessoas simplesmente como “Mexicanos, Argentinos, Colombianos etc”. Preferimos sempre conectar como essas pessoas sentem e vivem suas vidas. Não nos consideramos uma agência hispânica, mas uma agência que cria uma grande comunicação para os hispânicos e outras etnias também. E nós fazemos trabalhos para o mercado americano inteiro e para outros países.

Trabalho da La Comu: "Pool", para o site de musica Cyloop, bronze em 2008
FS: Tem algum trabalho que você tenha feito que você se orgulhe mais ou tenha mudado sua carreira? Algum que você gostaria de ter criado?

JM: Essa é difícil. Eu gosto de vários e por razões diferentes. No ano passado, o One Club de NY fez uma exposição com uma retrospectiva da nossa agência. Ir até lá e ver tantas coisas diferentes nas paredes foi uma sensação incrível e isso nos deu muito orgulho. Mas eu realmente acredito que ainda não criamos a nssa melhor campanha. E isso é o que nos empolga todo dia pra irmos trabalhar. Coisas que fizemos? Tem várias. Mas tem muita gente talentosa no mundo da publicidade e especialmente no mundo das artes mas, ainda bem, estamos vivendo um tempo em que as ideias não são mais monopolizadas. Todos os dias, eu vejo ideias brilhantes feitas por desconhecidos que por acaso tem muito talento e uma câmera de vídeo.

FS: E o que você está esperando de Cannes? Ideias mais modestas por causa da falta de dinheiro generalizada ou saídas criativas para esses tempos de crise...

JM: Bem, vamos começar dizendo que eu nunca acreditei que a maioria dos trabalhos premiados em Cannes sejam fora de série ou mudem as regras da nossa indústria. Normalmente, 70% do que ganha nao tem alma, é feito simplesmente feito para ganhar prêmios e dá uma sensação de fórmulas velhas. Só 20 a 30% me parece novo, interessante e é funciona de verdade para construir marcas. Muitas pessoas acreditam que a publicidade lança tendências quando, na verdade, a publicidade está sempre atrasada. Quando a tendência é utilizada na publicidade, ela já deixou de ser tendência. É por isso que nós tentamos levar nossos criativos para as Bienais de Arte por exemplo. Não me interprete mal, mas eu acredito que o Festival de Cannes é muito bom para motivar a indústria, mas não como fonte de inspiração.

E "Gym Class", trabalho recente para a MTV

FS: Na hora do desespero, em momentos difíceis, os países latinos, que estão mais acostumados a isso, levam vantagem?

JM: A crise tem um outro lado, que é trazer uma incerteza sobre o que o futuro vai trazer. A ameaça constante da crise é a principal razão da criatividade em países como o Brasil e a Argentina ser tão boa. Nós estamos acostumados a lutar e fazer muito com pouco. De certa maneira, eu acho que a crise empurrou os Estados Unidos um pouco pro Sul e eles agora fazem parte da América Latina. O problema é que, aqui nos EUA, eles sempre acreditaram ser invencíveis e quando eles começaram a se sentir vulneráveis, eles ficaram paralisados, incertos sobre como reagir. Nós, latinos, já vivemos várias crises diferentes em nossas vidas e já entendemos que isso é um ciclo, algo que eventualmente vai passar e sabemos como lidar com isso.
Mas voltando a Cannes, eu acho que por causa da crise, as agências serão mais seletivas no que elas inscrevem. Devemos ver menos coisa, mas com melhor qualidade.

FS: Gracias, José. Suerte

 

O redator Fabio Seidl é o enviado (com todo o respeito) especial da Janela em Cannes 2009.