EXCLUSIVO:
Entrevista com David Droga,
presidente do júri de Cannes 2006
David Droga (foto), o Presidente do Júri do Festival de Cannes,
é um australiano gente boa que atingiu o ápice da
carreira muito cedo. Antes dos 30, já estava dirigindo a
criação de uma das agências mais importantes
do mundo, a Saatchi Londres, onde participou de campanhas inesquecíveis,
como as do Club 18-30, Coco de Mer e os Irritating Eyes, cujas reproduções
ilustram esta matéria.
Até recentemente estava como diretor de criação
mundial do grupo Publicis, quando resolveu viver um pouco mais a
sua vida e abrir a sua própria agência, em Nova Iorque.
Imaginando que o cara deveria estar na maior correria, mandei um
email pedindo uma entrevista rápida pela Internet. Ele acabou
preferindo ligar lá para casa e bater um papo menos formal.
O que eram três ou quatro perguntas virou um papo de uma hora.
Confira agora os melhores momentos dessa conversa e conheça
melhor quem está por trás do festival mais importante
do nosso mercado.
FS: Você começou muito cedo e se tornou um
dos melhores criativos do seu mercado em pouco tempo. Como é
que foi esse seu caminho?
DD: É verdade, eu comecei com 18 anos, tinha terminado
a escola e acabei não entrando para a universidade. Mas eu
me interessava por publicidade e, vendo os anúncios que passavam
na TV eu achava que podia fazer melhor (risos). Aí entrei
para um desses cursos de publicidade, de um ano.
FS: Sabe que tem muito estudante que lê a coluna
e me escreve perguntando se vale a pena fazer a faculdade...
DD: Eu não saberia responder porque passei longe dela
(risos), mas acho que depende de cada um. A faculdade pode ajudar
você a melhorar ou não, mas depende de você.
Eu fiz isso porque achei que assim começaria a trabalhar
mais rápido e foi o que aconteceu. Pouco depois, estava estagiando.
Aí, ganhei alguns prêmios neste curso e o direito de
passar um tempo na FCB, onde fui contratado, mas só fiquei
3 meses.
FS: O que houve?
DD: A FCB era uma agência pesada, chata de trabalhar
na época. Aí uns caras que eu conhecia abriram uma
agência chamada Omon, muito pequena e me chamaram. Fui o primeiro
funcionário.
FS:
Outra coisa que me perguntam muito é se vale a pena começar
em agência pequena. Eu tenho a sensação de que
se aprende tudo mais de perto do que numa agência grande,
multinacional.
DD: Sem a menor dúvida. Eu aprendi muito assim. Mas
na verdade não era essa a minha intenção, só
quis ir para a Omon porque os donos eram legais. E eu acabei crescendo
com a agência. Ganhamos muito prêmios e acabei virando
diretor de criação e a seguir, sócio. Eu só
tinha 21 anos, imagina... Era uma loucura, eu só queria saber
de gastar dinheiro. E um dia a BBDO apareceu lá e comprou
a agência. Aí eu resolvi sair.
FS: Outra vez?
DD: Na verdade eu descobri que eu não queria ser sério
naquela época. E resolvi pegar a minha grana e viajar. Eu
era novo e podia fazer isso.
FS: Você praticamente construiu sua carreira na base
da insatisfação então. Estava sempre inquieto.
DD: E acho que só existe este caminho. Não
se acomodar. Só que um dia minha farra acabou. O Bob Isherwood
(um dos heads do grupo Saatchi) me ofereceu a liderança do
grupo na Ásia e total liberdade para fazer o que eu bem entendesse,
montar o quartel general da operação onde eu quisesse...
FS: E aí você foi para Singapura. Por quê?
DD: Eu nunca tinha ido a Singapura, mas achei que podia ser
um lugar estimulante. Mais do que Hong Kong, por exemplo.
FS: E como foi esse processo de recomeçar com a
sua vida e a agência por lá?
DD: Muito divertido. Desde o início eu tinha um objetivo
na cabeça que era encher o saco da Saatchi Londres, ganhar
os prêmios que deveriam ser deles nos festivais.
FS:
No mercado asiático isso não deve ter sido fácil.
DD: Não foi, os clientes lá tem uma maneira
muito própria e os povos estão ligados a culturas
muito antigas.
FS: E aí?
DD: E aí fomos fazendo. Trouxe criativos de várias
partes do mundo para misturar com a turma de lá, misturamos
referências e culturas diferentes. Deu super certo.
FS: Essa fórmula serviu para várias agências:
a Wieden+Kennedy e a Kessels apostaram nisso e deu super certo.
DD: Sem dúvida. Mais tarde, adotei o mesmo sistema
em Londres.
FS: Você nunca chegou a trabalhar com brasileiros...
DD: Infelizmente não, mas simplesmente porque não
cruzei pelo caminho de nenhum na hora certa. Mas definitivamente,
um bom criativo não precisa mais ser nativo na língua
do pais onde trabalha. Trabalhei com gente de inúmeros países
e vi isso.
FS: Você estava contando de Londres...
DD: Pois é. Eu consegui chamar a atenção
deles, deu certo! E eles me convidaram para assumir a criação
lá. Mas agora estava indo pisar nas pegadas de gigantes.
Era eu contra os caras que escreveram a história da publicidade.
Eu, que era ainda um moleque australiano que estava vindo de Singapura.
E tenho que admitir que o meu começo foi terrível.
Miserável até.
FS: Pressão?
DD: Muita pressão. Mas eu até gosto de pressão.
Lá é outra cultura...Os ingleses são muito
pessimistas e ao mesmo tempo muito orgulhosos, não é
fácil lidar com isso se você não está
preparado. E eu nunca fui político, nem homem de negócios.
Mas sou realista. E o que me salvou foi justamente isso. Conseguimos
virar o jogo e nos transformar numa agência realista e daí
começamos a nos soltar e fazer muita coisa divertida e diversificada.
FS: Você disse que nunca foi político nem
homem de negócios, mas sua experiência seguinte foi
como diretor de criação mundial da Publicis.
DD: Pois é, eu não tinha noção
de como isso era ridículo quando eu aceitei (risos). Estou
brincando, claro. A Publicis comprou a Saatchi e queria que eu passasse
um pouco dessa cultura que construímos na Saatchi Londres
para a rede.
FS: E o grupo cresceu criativamente.
DD: Sim, dobramos o número de prêmios em dois
anos, por exemplo. Mas era um trabalho que não era o que
eu queria fazer. Vim morar em Nova York e só ficava 10 dias
por mês aqui.
(neste momento o filho de David Droga interrompe o pai)
FS: E estou vendo que você tem filho pequeno.
DD: Tenho dois. Um nasceu no meio dessa confusão.
Pois é, eu sentia falta de estar perto da família
e sentia que aquele trabalho não era pra mim. Eu preciso
pegar uma campanha para fazer, não dizer aos outros como
poderiam fazer. Quanto mais eu crio, mais relevante eu fico.
FS:
Foi por isso que você saiu de lá e abriu a sua própria
agência? Aliás como está a Droga 5?
DD: Sim, foi por isso. A agência ainda não está,
estou experimentando muito, quero me dar este privilégio
Quero criar uma agência com um posicionamento novo, atualizada
com a comunicação de hoje. No momento estou fazendo
várias coisas ao mesmo tempo. Montando a equipe, claro, mas
a Droga 5 está por exemplo trabalhando num seriado infantil
com uma galera que faz a Vila Sésamo. Estamos trabalhando
em projetos de estratégia e criatividade para algumas marcas
da General Electric e ganhamos a conta da Ecko (marca de roupas).
FS: Você trabalhou em 3 continentes diferentes. Como
é a rotina nesses lugares? Nas agências, trabalha-se
sempre até tarde e final de semana, como no Brasil?
DD: Na Ásia eles são loucos, trabalham 7 dias
por semana. Na Inglaterra, a média é de seis. E nos
EUA, incrível, os caras conseguem fazer isso tudo que a gente
vê trabalhando de segunda a sexta, de 9 às 17h.
FS: Ou seja, eles tem uma vida. Falando nisso, como é
a sua vida fora do trabalho?
DD: Eu adoro a minha família, estou esperando um terceiro
filho. E adoro pintura. Na verdade eu queria ser pintor, venho de
uma família muito ligada à arte e agora tenho colecionado
arte contemporânea chinesa, é muito bacana. O que eu
acho que é legal da arte é que ela mexe com as emoções
e isso tem tudo a ver com a minha profissão.
FS: Legal você falar isso numa época em que
se discute tanto “o conceito”, “o raciocínio”..
DD: Para mim Publicidade é, acima de tudo, emoção,
sensação. É o humor, a resposta emocional,
feeling. Quantas campanhas a gente gosta sem saber o porquê?
A arte é isso, mas em estado puro.
FS: Ok, vamos passar ao tema “Cannes”. Você
não acha que essas categorias novas a cada ano podem desvalorizar
o festival.
DD: Acho. Mas é um paradoxo. Para mim, quanto menos
leões forem dados, melhor, claro. Mas a comunicação
de hoje não é só filme e anúncio. Se
quisermos ser uma indústria respeitada, precisamos reconhecer
isso. Seria pior chegarmos a conclusão que o festival estivesse
parado ou diminuindo as categorias.
FS:
Mas uma coisa é certa. Está impossível seguir
a programação e tem muita coisa que não se
consegue ver.
DD: Temos que mudar também a maneira de ver o festival.
Tem que ser como numa viagem, nos programarmos antes para decidir
o que vamos ver. Outra coisa que tem mudado e eu acho ótimo
é a presença dos clientes nos festivais. Mas acho
que não deve ser levado ao extremo e termos clientes no júri.
O dia que o cliente influenciar nestas decisões o festival
acaba. É importante que eles assistam, respeitem mas não
influenciem.
FS: Qual vai ser a sua recomendação ao júri?
DD: Só vou pedir que eles sejam justos e vou tentar
evitar que as decisões sejam políticas.
FS: Você tocou num ponto fundamental. Muita gente
fala há anos dos fantasmas, mas não apareceu ninguém
reclamando dos lobbies.
DD: Claro que não. Mas vou me opor a isso. Se houver
uma decisão que estiver sendo tomada por lobby, vou interferir.
Não quero um júri onde predomine os países
de língua inglesa. Quero que todos possam falar e que haja
debate. Nunca vou dizer a pessoas como as que estão lá
o que é bom ou não é, mas sei que o sistema
do festival não é perfeito e temos que trabalhar para
que seja o melhor possível.
FS: Ok, e os fantasmas?
DD: O que está em Cannes vai ser julgado assumindo
que as agências estão cientes do risco que elas correm
em caso de um escândalo.
FS: Os últimos festivais sempre trouxeram países
que surpreenderam e novidades em termos de linguagem. De onde você
acha que vem as próximas, pelo que tem sentido no mercado
internacional?
DD: Não vai ser agora, mas a Ásia vai crescer
muito e a força disso, sem dúvida, virá da
China. Pode esperar.
FS: E qual a sua opinião sobre a criatividade brasileira?
DD: O Brasil é excelente em mídia impressa
e o mundo reconhece isso. Mas como vários países da
América Latina, não tem ido bem em filmes. Acontece.
Os EUA são geniais em filmes e tem ido mal em mídia
impressa. Só a Inglaterra tem conseguido ir bem nos dois.
Com a diferença de que na Inglaterra você vê
essa criatividade chegando em grande escala nas ruas para o público
em geral. Outra coisa que me chama atenção no Brasil
é que os criativos brasileiros são verdadeiros embaixadores
do seu mercado. Isso é fantástico.
FS: Você já esteve no Brasil. O que achou?
DD: Infelizmente só fui a São Paulo e por pouco
tempo. Queria ter ido ao Rio. Quem sabe agora que viajar não
é mais uma obrigação para mim....
FS: Você sabe que seu sobrenome aqui quer dizer...
DD: Droga, claro! Estou pensando até em abrir uma
agência no Rio ou São Paulo só para ver se consigo
uma grana extra vendendo mais do que publicidade. É o meu
nome, a policia não vai poder fazer nada.
FS: E Cannes com Copa, vai dar para acompanhar os dois?
DD: Nem me fala nisso, eu tinha ingresso para ver Brasil
x Austrália...Pior é que anos atrás eu nem
ligava para futebol, lá na Austrália a gente só
quer saber de rugby. Mas aí fui morar em Londres e fiquei
viciado! O festival começa no dia desse jogo...
FS: Qual o seu palpite para o jogo?
DD: Austrália 2 x 1 Brasil!
FS: Hahahahahahahahaa!
DD: (risos) E sabe por que? Porque os brasileiros não
estão nem aí. Nós vamos dar tudo. Que fique
claro que sou fã do futebol brasileiro. E já tenho
até uma camisa do Brasil com meu nome nas costas. O Jader
Rossetto, jurado brasileiro de Filmes, me mandou.
FS: Então vamos fazer assim, se o Brasil ganhar
você usa a camisa?
DD: O Brasil não vai ganhar, então está
apostado. Peraí, deixa eu pensar. Ok, vamos fazer assim,
se acontecer, o que é difícil, eu uso, mas não
o dia todo...só logo depois do jogo.
FS: Fechado. David, boa sorte para você no Festival...e
nem tanta sorte assim na Copa, pelo menos contra o Brasil. Superobrigado.
DD: Eu é que agradeço, boa sorte e nos vemos
lá.
Thanks to Mindy Liu and Amanda Benfell
O redator Fabio
Seidl é o enviado (com todo o respeito) especial da Janela
em Cannes 2006.
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