Promulgada em 29/04/2010, para regular as licitações públicas da área de publicidade, a Lei nº 12.232 começa a ser vista com olhos críticos até mesmo pelos publicitários que apoiaram o seu surgimento, quando se pretendia evitar que a escolha de uma agência de publicidade seguisse os padrões da genérica Lei 8.666/1993, que definia as normas para compras desde pregos a construção de estradas.
Bem intencionada, a legislação acabou criando um emaranhado burocrático que “nem sempre garante que o órgão governamental estará escolhendo a melhor empresa para cuidar da sua publicidade”, como alertou o próprio presidente da Federação Nacional das Agências de Publicidade (Fenapro), Glaucio Binder, em conversa com a Janela.
A questão já foi levantada várias vezes por este site, que começa hoje uma série sobre problemas específicos que têm sido motivo dos protestos dos empresários de agências.
A começar pela formação das “subcomissões técnicas”, responsáveis por analisar as propostas das agências concorrentes. A 12.232, em vários itens, estabelece como devem os membros da subcomissão se comportar fixando “critérios objetivos e automáticos de identificação da proposta mais vantajosa”, além de estabelecer como criarem desempates etc.
O problema tem acontecido frequentemente, porém, na própria definição da composição das subcomissões que podem jogar por terra pretensões de empresas de publicidade que investiram fortunas na preparação de suas propostas.
Isso é o que diz o Artigo 10 da 12.232, que trata da formação das subcomissões técnicas.
Art. 10. As licitações previstas nesta Lei serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial, com exceção da análise e julgamento das propostas técnicas. § 1º. As propostas técnicas serão analisadas e julgadas por subcomissão técnica, constituída por, pelo menos, 3 (três) membros que sejam formados em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em uma dessas áreas, sendo que, pelo menos, 1/3 (um terço) deles não poderão manter nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou indireto, com o órgão ou a entidade responsável pela licitação. § 2º. A escolha dos membros da subcomissão técnica dar-se-á por sorteio, em sessão pública, entre os nomes de uma relação que terá, no mínimo, o triplo do número de integrantes da subcomissão, previamente cadastrados, e será composta por, pelo menos, 1/3 (um terço) de profissionais que não mantenham nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou indireto, com o órgão ou entidade responsável pela licitação. § 3º. Nas contratações de valor estimado em até 10 (dez) vezes o limite previsto na alínea a do inciso II do art. 23 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, a relação prevista no § 2º deste artigo terá, no mínimo, o dobro do número de integrantes da subcomissão técnica e será composta por, pelo menos, 1/3 (um terço) de profissionais que não mantenham nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou indireto, com o órgão ou entidade responsável pela licitação. § 4º. A relação dos nomes referidos nos §§ 2º e 3º deste artigo será publicada na imprensa oficial, em prazo não inferior a 10 (dez) dias da data em que será realizada a sessão pública marcada para o sorteio. § 5º. Para os fins do cumprimento do disposto nesta Lei, até 48 (quarenta e oito) horas antes da sessão pública destinada ao sorteio, qualquer interessado poderá impugnar pessoa integrante da relação a que se referem os §§ 2º, 3º e 4º deste artigo, mediante fundamentos jurídicos plausíveis. § 6º. Admitida a impugnação, o impugnado terá o direito de abster-se de atuar na subcomissão técnica, declarando-se impedido ou suspeito, antes da decisão da autoridade competente. § 7º. A abstenção do impugnado ou o acolhimento da impugnação, mediante decisão fundamentada da autoridade competente, implicará, se necessário, a elaboração e a publicação de nova lista, sem o nome impugnado, respeitado o disposto neste artigo. § 8º. A sessão pública será realizada após a decisão motivada da impugnação, em data previamente designada, garantidos o cumprimento do prazo mínimo previsto no § 4o deste artigo e a possibilidade de fiscalização do sorteio por qualquer interessado. § 9º. O sorteio será processado de modo a garantir o preenchimento das vagas da subcomissão técnica, de acordo com a proporcionalidade do número de membros que mantenham ou não vínculo com o órgão ou entidade responsável pela licitação, nos termos dos §§ 1º, 2ºe 3º deste artigo. § 10º. Nas licitações previstas nesta Lei, quando processadas sob a modalidade de convite, a subcomissão técnica, excepcionalmente, nas pequenas unidades administrativas e sempre que for comprovadamente impossível o cumprimento do disposto neste artigo, será substituída pela comissão permanente de licitação ou, inexistindo esta, por servidor formalmente designado pela autoridade competente, que deverá possuir conhecimentos na área de comunicação, publicidade ou marketing. |
Em matéria publicada em 28/08/2019, “Quem julga o julgador das concorrências de publicidade“, a Janela já alertava sobre problemas gravíssimos na formação destas subcomissões, com a descoberta de julgadores parentes de profissionais de agências vencedoras, por exemplo.
Raríssimas vezes os órgãos públicos citam, ao nominar os candidatos ao sorteio para a participação na subcomissão, a formação do profissional ou sequer a sua função, para permitir que, como diz o parágrafo 5º, qualquer interessado possa impugná-lo. “Do mesmo modo que eles pedem para as agências várias certidões, deveriam publicar as informações completas da turma que julga”, opina Flávio Martino, diretor no Rio da Nova/SB, e experiente participante de licitações.
Exemplos não são poucos
Numa atividade tão complexa e subdividida em especialidades como criação, produção, atendimento, mídia, planejamento, BI e todas as novas questões da mídia online, como esperar que apenas três profissionais tenham a expertise para analisar de forma completa as propostas apresentadas?
Na última semana, a agência Calia/Y2 entrou com recurso na concorrência do Detran-SP apontando um erro grave na avaliação da proposta vencedora, da agência Babel Azza. Segundo nos revelou José Augusto Nigro, diretor da Calia, a Babel utilizou, na sua simulação da verba a ser aplicada, valores líquidos das tabelas, quando o edital determinava a obrigatoriedade de se usar valores cheios. Ou seja, para os julgadores, aparentemente, a agência teria oferecido valores menores e foi melhor pontuada.
Deve-se esperar, então, que todos os três julgadores de uma subcomissão técnica entendam o suficiente de mídia e tabelas de veículos para saber distinguir uma tabela cheia de outra com valores líquidos?
Na concorrência do Senac Nacional, atualmente em andamento, faz parte da subcomissão técnica uma profissional que, desde janeiro é assessora de Relações Institucionais do Sesc. No entanto, em seu perfil no Linkedin, ela se identifica como “Profissional de TI, com 22 anos de experiência na área de sistemas, desenvolvendo e implantando soluções”. Será, perguntamos, uma profissional de TI a mais adequada para o julgamento de propostas de publicidade?
Concorrências paradas
A concorrência da Prefeitura do Rio de Janeiro está parada na Justiça também por um problema relacionado à formação da subcomissão técnica. Uma das componentes, convocada como suplente após a saída de um dos sorteados, seria ligada a um órgão relacionado à prefeitura, situação impedida pelo parágrafo 2º do artigo 10. Agências reafirmam que o vínculo existe, a Comissão de Licitação que julgou o recurso entendeu que não. Foi parar nas mãos de um desembargador.
Também na última semana repercutimos aqui o adiamento da concorrência do Banco de Brasília (BRB), quando o diretor da agência Cálix, Marcello Lopes, entrou com recurso apontando possíveis relacionamentos dos membros da subcomissão com agências concorrentes, “o que poderia comprometer a isenção no julgamento destas empresas”.
Entre os membros desta comissão, sediada em Brasília, está um profissional que atua no Rio Grande do Norte. Situação que repete o que ocorreu na concorrência para a Prefeitura do Rio, em que, originalmente, um profissional de Brasília foi convidado a integrar o grupo.
Não haverá, em cada um destes mercados, profissionais locais para realizar a tarefa? Perante a situação contrária, não há como impedir o questionamento: será justo — ou isento de levantar suspeitas — esperar que alguém, de outro estado, se disponha a passar mais de uma semana longe de casa, concentrando-se em julgar propostas de agências — que não podem ser retiradas da sede do órgão — tendo seus deslocamentos interestaduais e locais, assim como despesas de alimentação e hospedagens, pagos do próprio bolso? Como se perguntava no direito romano, “quid prodest?”, ou seja, a quem interessa?
Não por acaso, já há vários órgãos de governo que abrem convocações públicas para as inscrições de membros julgadores, o que evita a excessiva repetição de nomes apontados nas matérias anteriores da Janela.
Transparência é a meta, que não deve ser apenas um item formal nos sites atuais das instituições que atuam com o dinheiro público