Este mês de agosto, em menos de uma semana, duas licitações de contas de governo envolveram polêmicas com a formação das subcomissões técnicas responsáveis por julgar os trabalhos das agências de publicidade.
Em Brasília, a disputa pela conta do Conselho Federal de Medicina Veterinária foi cancelada porque descobriu-se que um julgador era nada menos que irmão de uma colaboradora da agência vencedora.
No Rio, pela conta da Prefeitura, as agências Binder e Propeg chegaram a entrar na Justiça apontando que a jurada que deveria não ter vínculo com o governo é, na verdade, funcionária pública municipal.
Em 2017, a concorrência multimilionária do Banco do Brasil foi cancelada pela acusação de que um dos jurados tinha conflito de interesses com a agência vencedora.
A regra é clara, diz a lei 12.232/2010, que organiza as concorrências públicas: bastam três pessoas para compor as subcomissões técnicas. E uma delas não pode ter vínculo com a contratante, até para garantir a independência de opinião.
São três profissionais que podem decidir o destino de verbas superiores a R$ 200 milhões, valor que muda a história de uma agência.
Quem são, e de onde vêm esses julgadores, muitas vezes, ninguém sabe. A Lei 12.232 não previu que os responsáveis pela licitação sejam transparentes informando publicamente onde trabalham, o que fazem e que competência têm os julgadores para que as agências, que investiram milhares de reais para participar da concorrência, confiem que terão seus trabalhos analisados dignamente.
Mas, se os órgãos de governo não informam, por que ninguém reclama?
A juíza Alessandra Cristina Tufvesson, que negou o pedido da Binder para suspender a concorrência do Rio, puxou a orelha da agência em seu processo, lembrando que ela poderia ter apontado, no início, o problema na indicação dos julgadores. Mas não o fez.
A questão é: quem faz?
Nos muitos anos em que a Janela cobre concorrências, não lembramos uma vez em que isso tenha acontecido.
Faz sentido. Nenhuma agência quer se indispor com quem irá julgá-la, mesmo, teoricamente, a análise acontecendo com pastas apócrifas.
Por que, então, essa cobrança de transparência não é feita pelas entidades do setor, como os Sindicatos de Agências (Sinapros), que já costumam analisar os termos jurídicos do edital mas não atentam para essa fase fundamental da licitação?
A Janela, que vem cobrindo as concorrências de governo, tem sido obrigada a buscar, pelo Google, estes dados sobre onde trabalha cada um dos jurados das principais concorrências, para poder informar ao mercado.
Mas a imprensa nem sempre é bem sucedida. Furnas, por exemplo, em 2018, se recusou terminantemente a nos informar onde seus julgadores trabalhavam. “São profissionais de nível superior, com formação em Comunicação Social e Design e que atuam nas áreas de Comunicação e Gestão Ambiental”, apenas respondeu a assessoria de comunicação, como se Furnas não tivesse a obrigação de ser transparente.
Figurinhas carimbadas
A julgadora Maria Cristina Pimentel Coelho, motivo do protesto da Binder e da Propeg na licitação da Prefeitura do Rio, entrou na subcomissão como suplente do julgador Sérgio Flores de Albuquerque, que, responsável pelo Marketing do Ministério do Turismo e morador de Brasília — sem ter hospedagem no Rio paga pela Prefeitura –, pediu para sair depois de ter sido sorteado.
E aí caímos em um segundo ponto que vem sendo motivo de críticas das agências de publicidade: a grande repetição de nomes em subcomissões técnicas. A despeito do mérito que possam ter tais julgadores, naturalmente chamados por seu histórico e experiência profissional, a preocupação é que isso possa impedir visões diferentes nas análises dos trabalhos apresentados.
Sérgio Flores, por exemplo, tem sido um dos profissionais mais convocados pelo poder público brasileiro. Localizamos seu nome em sete licitações — seja como membro efetivo ou como suplente nas subcomissões técnicas — nos últimos três anos.
Assim como ele, o nome de Antônio Augusto Brentano, atualmente chefe de comunicação do Ministério da Saúde, também foi encontrado, em nossas buscas, como convidado para o mesmo número de subcomissões daquele período. E Roberto Constante Filho, que hoje chefia a área de Estratégia Digital do Governo do Estado do Rio de Janeiro, lidera o nosso levantamento, com nove convites para ser julgador de concorrências publicitárias desde 2016.
Além destes, a Janela relacionou, com pelo menos três convites, entre 2016 e 2019, Diogo Peres Neto, Tiago de Souza Bernardes, Tiago José Tomazella e Washington Luiz de Lima Ezaki.
Por outro lado…
A procura dos órgãos governamentais por nomes que já tenham experiência em subcomissões tem uma certa justificativa, por conta das gigantescas complicações burocráticas envolvidas na função. O trabalho pode durar semanas — sem remuneração –, com o julgador devendo conceder notas para itens diversos, precisando justificar cada uma delas e ainda tendo uma série de outros cuidados criados para evitar reclamações e recursos das agências que se sentirem prejudicadas.
Exemplo recente aconteceu em Porto Alegre, na concorrência pela conta da Prefeitura local. Inexperientes — e, pior do que isso, mal orientados –, os jurados saíram dando, em vários quesitos, notas maiores do que as previstas como valores máximos pelo edital. Não bastasse, não explicaram nem os motivos pelas notas altas a algumas agências, nem por que tiraram pontos de outras.
Resultado: a Procuradoria Geral intercedeu, recomendou a republicação do edital e todo o trabalho produzido pelas concorrentes teve que ser jogado no lixo.
“Tempo e dinheiro desperdiçados”, como lamentou o presidente do Sinapro gaúcho, Fernando Silveira.
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