Na
segunda parte da viagem pela Ásia, Fabio Seidl vai ao Japão.
O PLANETA JAPÃO
Se
o mundo acabasse amanhã e só sobrasse o Japão,
pouca coisa ia mudar na vida dos Japoneses. A primeira frase exagerada
e para chamar atenção ao resto da coluna deste mês
tem sim um fundo de verdade: os japoneses consomem uma cultura muito
própria.
A música que predomina é a japonesa, a moda é
japonesa, a comida é japonesa (e bem diferente dos restaurantes
japoneses que conhecemos), os desenhos animados, os quadrinhos,
os filmes, as novelas, as séries, tudo é japonês.
A influência da imigração também é
mínima: só 1% da população vem de fora.
E a maioria é de brasileiros descendentes de japoneses.
Outro reflexo deste quadro é que, curiosamente, poucas pessoas
falam inglês.
Ainda assim me saí melhor do que quando estive na China (alguém
leu a coluna do mês passado?). É que na China todo
mundo fala inglês mas você não entende ninguém
e ninguém te entende. No Japão, quase ninguém
fala inglês, mas eles fazem questão de tentar se comunicar
e ajudar.
E quem não fala faz mímica, certo? Sim, só
que os gestos no Japão também são diferentes.
Por exemplo: fazer "não" abanando o dedo pros lados
por exemplo, é não é comum. Usa-se um X feito
com as mãos (à lá Jaspion) para dizer que "não"
ou "acabou". E em alguns lugares nem os números
são escritos em caracteres ocidentais. E por aí vai.
Com tanta essa diferença, ir ao Japão para um publicitário
é uma festa. As soluções de comunicação
e propaganda parecem sempre originais.
E a boa notícia para quem pensa em ir é que é
não é tão caro como o folclore se encarregou
de espalhar. Tirando a passagem aérea, claro, a vida do turista
não é mais cara do que a de quem viaja para a Europa.
Os preços são bem mais baratos do que Inglaterra,
Alemanha, França, Escandinávia, Suíça...
OS
PUBLIMÓNS
Na terra do Anime e dos Mangas se usa muita ilustração
em publicidade. Quase todas as marcas tem um mascote meio Pokémon.
Na maioria dos casos um mascote que não parece fazer sentido
para nós, ocidentais.
A companhia de ônibus tem um que parece uma abelha alienígena.
A Polícia de Tóquio tem um urso-rádio. A companhia
que cuida do meio ambiente tem um bonequinho amorfo que mete medo.
Mas o que me deixou mais intrigado foi uma placa de "Proibido
Elefantes" em vários lugares. Fui descobrir que o elefante
para eles é como o porco para gente: um bicho que espalha
sujeira. Curioso é que várias farmácias e uma
grande seguradora também usam o elefante como símbolo.
KARAOKÊS
E PATCHINKOS
Os karaokês e patchinkos (fliperamas) são, disparados,
a principal diversão do país. E não só
entre os jovens. É normal ver pessoas mais velhas nesses
lugares. Sozinhos, em dupla ou em grupo.
Os karaokês são quase uma religião. O mercado
está na mão de redes com gigaprédios. A estrutura
lembra um hotel moderno. Tem recepção com fotos dos
recordistas em pontos da casa, serviço de quarto (aliás,
de salas, para grupos de todos os tamanhos) e até canal interno
de TV, uma espécie de MTV.
Você chega com a sua turma (não existe promiscuidade,
patotas não se misturam) e no telão uma apresentadora
está entrevistando artistas de verdade, apresentando os últimos
lançamentos disponíveis para cantar e tudo. Aí
você interage, escolhe a sua música e dá o seu
show. E, olha só, o tal canal tem até comerciais.
Alguns produtos anunciados podem ser comprados ali na hora.
Os Patchinkos também seguem a linha megalômana. Os
lançamentos dos jogos tem o tratamento de uma grande produção
de cinema. E existem diferentes máquinas além das
que nós conhecemos: pinball, videogame e caça-níqueis
(que lá não paga dinheiro, só mais fichas).
Estava lá, por exemplo, quando saiu o World Football, uma
ação da Sega com a editora de figurinhas Panini.
Funciona assim: você compra as figurinhas na banca com os
jogadores: Ronaldinho, Kaká etc. Chegar no clube de Patchinko
e senta na arena numa com sensores que lêem as suas figurinhas.
O time das suas figurinhas aparece na tela e você começa
a jogar com os outros malucos que estão por lá num
telão de altíssima definição. Outro
jogo, parecido, tem robôs e é controlado por sensores
de movimento para as mãos. Doideira. Dá só
uma olhada nos jogos neste vídeozinho que eu fiz:
http://www.youtube.com/watch?v=saHUoLKm9x8
O
CONSUMO GODZILLA
Em Tóquio, marca que é marca não tem loja.
Tem prédios monstruosos. A Apple Store tem 7 andares. A Sony,
12 só de áudio, foto e vídeo, sem Playstation.
A Yamaha, de instrumentos musicais tem três prédios
somando uns 20 andares.
Marcas de moda feminina tem megalojas e vitrines que deixam no chinelo
(ok, na sandália japonesa) as de Nova Iorque, Paris e Londres.
Os pontos de venda usam muita tecnologia nas vitrines. Coisas que
eu nem sabia que dava para fazer como projeções em
bolinhas de vidro ou que ocupam salas inteiras, verdadeiras instalações.
A PUBLICIDADE DO FUTURO E DO ABSURDO
A quantidade de informação publicitária outdoor
é um massacre e ao mesmo tempo um espetáculo à
parte.
O templo dessas inovações é o bairro de Shibuya
(foto à direita), o mais freqüentado pela molecada.
Lá, telões de plasma são aplicados nos prédios
de todas as maneiras possíveis: por dentro, por fora, côncavos,
convexos, amebóides e o que mais você imaginar. Alguns
comerciais chegam a começar num telão e continuam
com seus personagens passando para outros telões.
Já os filmes na TV, bem, os filmes são aqueles que
a gente vê nos festivais e DVDs internacionais e não
entende nada. Mas todos fazem sentido dentro da lógica cultural
japonesa. Quero dizer, eu acho.
Um que me deixou intrigado até agora era de um carro, que
vinha todo pimpão por uma estrada. Ele parava numa encosta
à beira-mar e uma família saía pra ver o pôr-do-sol,
lindo. Do nada, sai da água um polvo gigante e seqüestra
o pai. No carro aparece, também do nada, um macaco batendo
palma e tocando uma pandeirola. Pronto. Assinava: Mitsubishi.
A mídia nos metrôs e trens é que é fortíssima.
Os japoneses passam muito tempo dentro dos vagões, mas não
é fácil chamar a atenção deles ali.
Ou estão usando o celular (inclusive para ver TV), ou jogando
Gameboy (nunca Playstation Portable!) ou dormindo muito. Então
para ser eficiente, haja poluição visual.
Alguns
painéis de metrô chamam a atenção pela
técnica, como é o caso deste cartaz em 3D para uma
cerveja que eu filmei:
http://www.youtube.com/watch?v=saHUoLKm9x8
Outros puxam pelas idéias esquisitas como a deste figura
com esta gravata que cresce do nada para a alegria da sua colega
com o polegar amigo estendido.
A gente acha engraçado e tal, mas quando chega no Japão,
nós somos os estranhos. E se os japoneses quando vão
ao ocidente fotografam tudo, pode ter a certeza que qualquer ocidental
no Japão tira a máquina do bolso por qualquer coisa.
Até pra fotografar cartaz de propaganda no metrô.
VENDING
MACHINES
Não se anda um quarteirão em Tóquio sem esbarrar
numa máquina de vender bebidas. O display delas também
virou mídia com embalagenzinhas que pulam, rodopiam e muito
mais pra chamar a sua atenção para aquele produto.
Num mercado disputado a tapa por marcas de chá verde e café
gelado, verdadeiros néctares para os japoneses, Coca-Cola
e Pepsi tem que rebolar dentro e fora das vending machines para
venderem.
A
Pepsi lançou a sua Pepsi Nex (Light) numa embalagem inovadora,
uma espécie de garrafa-lata enquanto a Coca-Cola está
apostando numa onda retrô. A embalagem tchap-tchura da Coca
traz dá de brinde o bom e velho iô-iô que fez
a alegria da criançada brasileira nos anos 80 e 90.
A ENTREVISTA QUE EU NÃO FIZ
Em todos estes anos de indústria vital, é a primeira
vez que isto me acontece: levei um bolo. Fui para Tóquio
com a certeza que ia visitar a Hakuhodo, segundo maior grupo japonês
de publicidade e conversar um dos diretores de criação.
Contactei, com bastante antecedência a assessoria de imprensa
deles e apresentei a Janela. Ela respondeu querendo mais informações.
Mandei. Recebi um outro e-mail pedindo as perguntas que eu iria
fazer. Meio contrariado, mandei, já que não tinha
nenhuma questão extravagante. Ok.
Chego em Tóquio e a assessora da Hakuhodo some. Quando finalmente
retornou os recados foi pra cancelar a entrevista, porque "todos
os diretores de criação estavam fora".
Eu disse que podia ser outro dia já que ia ficar mais uma
semana em Tóquio. Ou poderia trocar idéia com qualquer
criativo ou mesmo com ela, embora não fosse a mesma coisa,
só para ter um panorama da agência.
Ela respondeu: "ah, só mais uma semana?", se ofereceu
para mandar uma "brochura" da agência e disse que
não estava autorizada a dar entrevistas nem de escolher ninguém
para falar "em nome da empresa". Curiosamente, questionou
o fato da Janela estar toda "em brasileiro" e não
em inglês e me confidenciou que isso dificultou um pouco as
coisas.
A tal brochura, que eu nem queria mesmo, nunca chegou. Entenderam?
Nem eu. Isso, meus amigos, só pode significar uma coisa:
a minha duvidosa reputação chegou ao outro lado do
mundo. É sensacional.
A
MARCA DO MÊS
Produtos para colocar na seção A Marca do Mês
neste Especial sobre o Japão é o que não faltou.
Separei meus dois preferidos.
O primeiro é o Pudim de Yokohama. Simpático, com apelo
infantil, deve ser um sucesso entre a petizada.
O segundo é este bingolim japonês (sim, é um
peruzinho) que cresce 40x quando você coloca na água.
Ser do país que é só deixa tudo mais engraçado.
A ÚLTIMA
Nada a ver com publicidade, mas todo mundo com que eu tenho falado
tem me perguntado sobre o Sushi de lá. Sim, é o melhor,
os peixes são bem diferentes e pra eles quanto mais gordura
tiver o bicho, mais saboroso (sic) e mais caro.
E o que de mais surreal aconteceu na viagem foi num restaurante
desses no bairro de Asakusa. Era esquema de esteirinha, passam as
coisas e você pega. Ou pode pedir algo que não esteja
ali e foi o que uma senhora do meu lado fez.
Ela pediu lá um Seilaokê (sei lá o quê)
e o sushiman meteu a mão no aquário que tinha atrás
dele e como se fosse um urso (ou um ninja, ou um urso-ninja, tanto
faz) e catou um peixe com a mão, de primeira.
Não acabou. O cara pega a faca, abre um naco no peixe como
quem abre uma tampa, enviesa (não sei se existe essa palavra,
mas é do verbo enviesar) lá um pauzinho, corta uns
sashimis e coloca o animal AINDA VIVO na mesa da tia. Parece história
de pescador, mas o peixe ficou ali respirando um bom tempo enquanto
era devorado. Juro por Buda.
Fábio
Seidl é redator da McCann-Erickson Portugal-
Outubro/2006)
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