Publicada desde 15/07/1977.
Na Web desde 12/07/1996.
 
A Janela Internacional traz o que acontece na Europa, pelo redator Fabio Seidl.
Edição de Outubro de 2006
 

Na segunda parte da viagem pela Ásia, Fabio Seidl vai ao Japão.

O PLANETA JAPÃO
Fabio Seidl no JapãoSe o mundo acabasse amanhã e só sobrasse o Japão, pouca coisa ia mudar na vida dos Japoneses. A primeira frase exagerada e para chamar atenção ao resto da coluna deste mês tem sim um fundo de verdade: os japoneses consomem uma cultura muito própria.
A música que predomina é a japonesa, a moda é japonesa, a comida é japonesa (e bem diferente dos restaurantes japoneses que conhecemos), os desenhos animados, os quadrinhos, os filmes, as novelas, as séries, tudo é japonês.
A influência da imigração também é mínima: só 1% da população vem de fora. E a maioria é de brasileiros descendentes de japoneses.
Outro reflexo deste quadro é que, curiosamente, poucas pessoas falam inglês.
Ainda assim me saí melhor do que quando estive na China (alguém leu a coluna do mês passado?). É que na China todo mundo fala inglês mas você não entende ninguém e ninguém te entende. No Japão, quase ninguém fala inglês, mas eles fazem questão de tentar se comunicar e ajudar.
E quem não fala faz mímica, certo? Sim, só que os gestos no Japão também são diferentes. Por exemplo: fazer "não" abanando o dedo pros lados por exemplo, é não é comum. Usa-se um X feito com as mãos (à lá Jaspion) para dizer que "não" ou "acabou". E em alguns lugares nem os números são escritos em caracteres ocidentais. E por aí vai.
Com tanta essa diferença, ir ao Japão para um publicitário é uma festa. As soluções de comunicação e propaganda parecem sempre originais.
E a boa notícia para quem pensa em ir é que é não é tão caro como o folclore se encarregou de espalhar. Tirando a passagem aérea, claro, a vida do turista não é mais cara do que a de quem viaja para a Europa. Os preços são bem mais baratos do que Inglaterra, Alemanha, França, Escandinávia, Suíça...

PublimonsOS PUBLIMÓNS
Na terra do Anime e dos Mangas se usa muita ilustração em publicidade. Quase todas as marcas tem um mascote meio Pokémon. Na maioria dos casos um mascote que não parece fazer sentido para nós, ocidentais.
A companhia de ônibus tem um que parece uma abelha alienígena. A Polícia de Tóquio tem um urso-rádio. A companhia que cuida do meio ambiente tem um bonequinho amorfo que mete medo.
Mas o que me deixou mais intrigado foi uma placa de "Proibido Elefantes" em vários lugares. Fui descobrir que o elefante para eles é como o porco para gente: um bicho que espalha sujeira. Curioso é que várias farmácias e uma grande seguradora também usam o elefante como símbolo.

KaraokêKARAOKÊS E PATCHINKOS
Os karaokês e patchinkos (fliperamas) são, disparados, a principal diversão do país. E não só entre os jovens. É normal ver pessoas mais velhas nesses lugares. Sozinhos, em dupla ou em grupo.
Os karaokês são quase uma religião. O mercado está na mão de redes com gigaprédios. A estrutura lembra um hotel moderno. Tem recepção com fotos dos recordistas em pontos da casa, serviço de quarto (aliás, de salas, para grupos de todos os tamanhos) e até canal interno de TV, uma espécie de MTV.
Você chega com a sua turma (não existe promiscuidade, patotas não se misturam) e no telão uma apresentadora está entrevistando artistas de verdade, apresentando os últimos lançamentos disponíveis para cantar e tudo. Aí você interage, escolhe a sua música e dá o seu show. E, olha só, o tal canal tem até comerciais. Alguns produtos anunciados podem ser comprados ali na hora.
Os Patchinkos também seguem a linha megalômana. Os lançamentos dos jogos tem o tratamento de uma grande produção de cinema. E existem diferentes máquinas além das que nós conhecemos: pinball, videogame e caça-níqueis (que lá não paga dinheiro, só mais fichas).
Estava lá, por exemplo, quando saiu o World Football, uma ação da Sega com a editora de figurinhas Panini.
Funciona assim: você compra as figurinhas na banca com os jogadores: Ronaldinho, Kaká etc. Chegar no clube de Patchinko e senta na arena numa com sensores que lêem as suas figurinhas. O time das suas figurinhas aparece na tela e você começa a jogar com os outros malucos que estão por lá num telão de altíssima definição. Outro jogo, parecido, tem robôs e é controlado por sensores de movimento para as mãos. Doideira. Dá só uma olhada nos jogos neste vídeozinho que eu fiz:
http://www.youtube.com/watch?v=saHUoLKm9x8

Apple StoreO CONSUMO GODZILLA
Em Tóquio, marca que é marca não tem loja. Tem prédios monstruosos. A Apple Store tem 7 andares. A Sony, 12 só de áudio, foto e vídeo, sem Playstation. A Yamaha, de instrumentos musicais tem três prédios somando uns 20 andares.
Marcas de moda feminina tem megalojas e vitrines que deixam no chinelo (ok, na sandália japonesa) as de Nova Iorque, Paris e Londres. Os pontos de venda usam muita tecnologia nas vitrines. Coisas que eu nem sabia que dava para fazer como projeções em bolinhas de vidro ou que ocupam salas inteiras, verdadeiras instalações.

A PUBLICIDADE DO FUTURO E DO ABSURDO
A quantidade de informação publicitária outdoor é um massacre e ao mesmo tempo um espetáculo à parte.
Shibuya O templo dessas inovações é o bairro de Shibuya (foto à direita), o mais freqüentado pela molecada. Lá, telões de plasma são aplicados nos prédios de todas as maneiras possíveis: por dentro, por fora, côncavos, convexos, amebóides e o que mais você imaginar. Alguns comerciais chegam a começar num telão e continuam com seus personagens passando para outros telões.
Já os filmes na TV, bem, os filmes são aqueles que a gente vê nos festivais e DVDs internacionais e não entende nada. Mas todos fazem sentido dentro da lógica cultural japonesa. Quero dizer, eu acho.
Um que me deixou intrigado até agora era de um carro, que vinha todo pimpão por uma estrada. Ele parava numa encosta à beira-mar e uma família saía pra ver o pôr-do-sol, lindo. Do nada, sai da água um polvo gigante e seqüestra o pai. No carro aparece, também do nada, um macaco batendo palma e tocando uma pandeirola. Pronto. Assinava: Mitsubishi.
A mídia nos metrôs e trens é que é fortíssima. Os japoneses passam muito tempo dentro dos vagões, mas não é fácil chamar a atenção deles ali. Ou estão usando o celular (inclusive para ver TV), ou jogando Gameboy (nunca Playstation Portable!) ou dormindo muito. Então para ser eficiente, haja poluição visual.
Alguns painéis de metrô chamam a atenção pela técnica, como é o caso deste cartaz em 3D para uma cerveja que eu filmei:
http://www.youtube.com/watch?v=saHUoLKm9x8
Outros puxam pelas idéias esquisitas como a deste figura com esta gravata que cresce do nada para a alegria da sua colega com o polegar amigo estendido.
A gente acha engraçado e tal, mas quando chega no Japão, nós somos os estranhos. E se os japoneses quando vão ao ocidente fotografam tudo, pode ter a certeza que qualquer ocidental no Japão tira a máquina do bolso por qualquer coisa. Até pra fotografar cartaz de propaganda no metrô.

VENDING MACHINES
Não se anda um quarteirão em Tóquio sem esbarrar numa máquina de vender bebidas. O display delas também virou mídia com embalagenzinhas que pulam, rodopiam e muito mais pra chamar a sua atenção para aquele produto.
Num mercado disputado a tapa por marcas de chá verde e café gelado, verdadeiros néctares para os japoneses, Coca-Cola e Pepsi tem que rebolar dentro e fora das vending machines para venderem.
A Pepsi lançou a sua Pepsi Nex (Light) numa embalagem inovadora, uma espécie de garrafa-lata enquanto a Coca-Cola está apostando numa onda retrô. A embalagem tchap-tchura da Coca traz dá de brinde o bom e velho iô-iô que fez a alegria da criançada brasileira nos anos 80 e 90.

A ENTREVISTA QUE EU NÃO FIZ
Em todos estes anos de indústria vital, é a primeira vez que isto me acontece: levei um bolo. Fui para Tóquio com a certeza que ia visitar a Hakuhodo, segundo maior grupo japonês de publicidade e conversar um dos diretores de criação.
Contactei, com bastante antecedência a assessoria de imprensa deles e apresentei a Janela. Ela respondeu querendo mais informações. Mandei. Recebi um outro e-mail pedindo as perguntas que eu iria fazer. Meio contrariado, mandei, já que não tinha nenhuma questão extravagante. Ok.
Chego em Tóquio e a assessora da Hakuhodo some. Quando finalmente retornou os recados foi pra cancelar a entrevista, porque "todos os diretores de criação estavam fora".
Eu disse que podia ser outro dia já que ia ficar mais uma semana em Tóquio. Ou poderia trocar idéia com qualquer criativo ou mesmo com ela, embora não fosse a mesma coisa, só para ter um panorama da agência.
Ela respondeu: "ah, só mais uma semana?", se ofereceu para mandar uma "brochura" da agência e disse que não estava autorizada a dar entrevistas nem de escolher ninguém para falar "em nome da empresa". Curiosamente, questionou o fato da Janela estar toda "em brasileiro" e não em inglês e me confidenciou que isso dificultou um pouco as coisas.
A tal brochura, que eu nem queria mesmo, nunca chegou. Entenderam? Nem eu. Isso, meus amigos, só pode significar uma coisa: a minha duvidosa reputação chegou ao outro lado do mundo. É sensacional.

A MARCA DO MÊS
Produtos para colocar na seção A Marca do Mês neste Especial sobre o Japão é o que não faltou. Separei meus dois preferidos.
O primeiro é o Pudim de Yokohama. Simpático, com apelo infantil, deve ser um sucesso entre a petizada.
O segundo é este bingolim japonês (sim, é um peruzinho) que cresce 40x quando você coloca na água. Ser do país que é só deixa tudo mais engraçado.

A ÚLTIMA
Nada a ver com publicidade, mas todo mundo com que eu tenho falado tem me perguntado sobre o Sushi de lá. Sim, é o melhor, os peixes são bem diferentes e pra eles quanto mais gordura tiver o bicho, mais saboroso (sic) e mais caro.
E o que de mais surreal aconteceu na viagem foi num restaurante desses no bairro de Asakusa. Era esquema de esteirinha, passam as coisas e você pega. Ou pode pedir algo que não esteja ali e foi o que uma senhora do meu lado fez.
Ela pediu lá um Seilaokê (sei lá o quê) e o sushiman meteu a mão no aquário que tinha atrás dele e como se fosse um urso (ou um ninja, ou um urso-ninja, tanto faz) e catou um peixe com a mão, de primeira.
Não acabou. O cara pega a faca, abre um naco no peixe como quem abre uma tampa, enviesa (não sei se existe essa palavra, mas é do verbo enviesar) lá um pauzinho, corta uns sashimis e coloca o animal AINDA VIVO na mesa da tia. Parece história de pescador, mas o peixe ficou ali respirando um bom tempo enquanto era devorado. Juro por Buda.

Fábio Seidl é redator da McCann-Erickson Portugal- Outubro/2006)