Publicada desde 15/07/1977.
Na Web desde 12/07/1996.
 
A Janela Internacional traz o que acontece na Europa, pelo redator Fabio Seidl.
Edição de Setembro de 2006
 

OLHA O DRAGÃO CHINÊS! A JANELA INTERNACIONAL NA CHINA.

Seidl na Muralha da ChinaEu era moleque quando os vendedores apareceram na praia com uma novidade no segmento das guloseimas geladas, tradicionalmente, dominado pela Kibon e pela Nestlé.
"Olha o Dragão Chinêêêêês!", gritavam os ambulantes. O produto não era chinês mas, em compensação, era tosco. A embalagem era um papel branco que grudava no picolé, com o nome do sabor escrito em uma cor.
Passada a desconfiança inicial das mães, eternas donas do orçamento praiano, o sorvete Dragão Chinês ganhou o público com seu preço muito mais baixo. O Dragão virou referência. Logo apareceu um concorrente que o chupou, literalmente: o Picolé do China.
Hoje, infelizmente, acho que o Dragão está extinto. É que como o marketing ensina, esse negócio de se posicionar apenas pelo preço pode dar certo por um tempo, mas não para sempre.

O EX-MAIOR PARAGUAI DO PLANETA

A própria China, não faz muito tempo, também era vista como uma espécie de picolé pirata da praia. Hoje, venceu a desconfiança dos investidores, atraiu empresas e cresce como nenhum outro país cresceu. A China virou referência. É o lugar onde os grupos de publicidade estão colocando dinheiro.
Se a China foi o maior Paraguai do Mundo, a impressão que eu tive quando cheguei lá é que, hoje, lembra o Brasil. Beijing, tirando os monumentos (fantásticos), tem um quê de São Paulo. O trânsito, os prédios, muita gente. Muito trabalho e fumaça. Só que os contrastes lá são mais acentuados.
Os pobres não são pobres. São miseráveis. Pessoas humildes, sem dentes e crianças com bunda de fora (o que aparentemente substitui o uso de fraldas), misturam-se aos executivos das multinacionais em ternos e carros caríssimos.
Assim como pra gente todo mundo que tem olho puxado é chinês (ou japonês), para muitos chineses quem não tem olho puxado é americano. Então não existe ocidental que circule pelas zonas turísticas sem ser abordado por vendedores ou pedintes dizendo: "One Dollar, one dollar". Mais ou menos o que acontece com os gringos no Rio e no Nordeste.

HUTONGS E ARRANHA-CÉUS

Não se encontra um quarteirão sem uma grande obra, com peões trabalhando madrugada a dentro. Os novos prédios assinados por grandes nomes da arquitetura são vizinhos dos antigos "hutongs", um tipo de favela.
Fui enganado por umas fotos na Internet e fiz reserva num hotel "típico" chinês. Ninguém falou que era num hutong. Passei uma noite num quarto com cabelo no chão, teto incendiado e marcas de pés na parede. Um mestre do kung fu deve ter se metido em confusão por lá, é a única explicação.
Os empreendedores querem colocar os hutongs abaixo e todo mundo em prédios. Os defensores das raízes culturais e especuladores resistem.
O crescimento desenfreado também aparece no trânsito. Mil novas carteiras de barbeiro, digo, de motorista são emitidas todos os dias em Beijing, que é só a terceira cidade mais populosa da China.
Nas ruas, bicicletas que carregam pilhas de porcos mortos dividem a pista com Lamborghinis. Em muitos lugares não existe faixa de pedestres. Onde há sinais é como se não houvesse. Os táxis invadem ciclovias e deixam os passageiros no meio da rua. No meu caso, nunca na rua que eu havia pedido.

AS MARCAS NA SEDE OLÍMPICA

As Olimpíadas de 2008 devem mudar em definitivo o panorama da cidade. Vi os estádios e a vila na fase final das obras, impressionantes.
Em Beijing, diz-se que os Jogos vão servir de cartão de visitas para a capital da nova economia mundial. E para fazer sombra à irmã Shanghai, mais desenvolvida e bem sucedida.
De fato, a capital respira esporte. Wang Fung Jing, a rua mais badalada do comércio é um mar de outdoors de marcas esportivas. Lá, as superstores da Nike e Adidas disputam os clientes com as duas principais marcas locais.
Uma é a Seven que tem como garoto-propaganda o jogador americano de basquete Shaquille O´Neal e usa um slogan "familiar": Anything is Possible.
A outra tem um nome curioso, Anta, e usa um logo parecido com o da a Seven e com todos os outros logos clichês de marcas esportivas.
Até a Pepsi por lá também está investindo pesado neste ramo. Lançou por lá a "Pepsi Sports" e está nas lojas com uma coleção de tênis e roupas.

O COMUNISMO NÃO É MAIS AQUELE

Na China, o Partido Comunista controla tudo, inclusive o acesso a Internet, mas faz tudo para que a economia seja dinâmica. A máquina do Estado socialista é uma máquina de ganhar dinheiro.
Beijing tem McDonald´s em tudo que é canto.
Mas as lanchonetes são adaptadas ao gosto dos chineses. No lugar da tradicional tortinha de maçã, tortas de "feijão verde" (sim, vagem) e de Taro, uma raiz asiática roxa fluorescente. Essa é boazinha até. Só falta o McEspetinho de escorpião ou o McLarva de Bicho da Seda, iguarias por enquanto só encontradas em estabelecimentos mais populares.
A MTV também está lá, disputando para ver quem faz a cabeça da molecada com o Canal V, de música pop chinesa.
Shoppings de luxo são comuns. O maior deles, Oriental Plaza, tem marcas, sofisticação e preços que deixam muito centro comercial europeu de alto nível no chinelo. Se os pobres parecem mais pobres do que no Brasil, os ricos chineses parecem bem mais ricos.


A PUBLICIDADE DOS NOVOS DONOS DO MUNDO

A Revolução Cultural dos anos 60 fez com que quase toda a população acima dos 35 anos não tenha curso superior que prepare para a nova realidade. Talvez por isso, sejam comuns os cartazes nas ruas anunciando "MBA" com bandeiras americanas. Precisa-se de know-how, urgente.
Na revista Media, maior veículo especializado em publicidade de lá, é comum ver excelentes ofertas de emprego. Vi um que dizia: "Precisa-se de Diretor de Criação, Redator, Diretor de Arte, Planejamento, Diretor de Atendimento e Executivo de Contas para trabalharem numa das maiores agências do país. Salário acima da média do mercado." Se animou? Bem, o classificado, embora em inglês, era claro: "indispensável fluência em Chinês Mandarim".
Vi alguma coisa da publicidade feita por lá. Na mídia impressa, algumas coisas lembraram a publicidade carioca. É que os habitantes de Beijing também são orgulhosos das belezas da sua cidade, por isso seus templos e palácios e a imponente Muralha estampam muitos anúncios.
As peças, quase sempre, tem muito texto. Mas existe o hábito de parar na rua para ler coisas. A JC Decaux criou até um mobiliário adaptado ao hábito de ler o jornal que é pendurado nos muros.
Os filmes são bem feitos, meio na escola norte-americana. Soube depois que as produções regulam em custos com as européias. Filmar ainda é caro num país onde janta-se como um imperador por cerca de 10 reais.
E fiquei com a impressão de que os chineses são mesmo todos parecidos ao ver os modelos dos anúncios. Mas não. Eram os o jogador de basquete Yao Min (que atua na NBA) e a atriz internacional Li Gong (Miami Vice, Memórias de uma Gueixa) que estão em (quase) todas.

O CAMINHO DO GIGANTE

A maior empresa dos Estados Unidos é a rede de supermercados Wal-Mart. E 80% do que é vendido no Wal Mart é fabricado na China. O resto são coisas que a China não tem como produzir. Várias outras grandes empresas seguem o mesmo caminho.
Este mês, o Financial Times e a Fortune trouxeram artigos criticando a economia industrial chinesa. Dizem que o país mantém a moeda desvalorizada de maneira artificial para ter custos competitivos. Faz sentido. Quem fiscaliza a economia deles além do Partidão? Ninguém. Então, o governo faz o que achar melhor.
A Primeira Ministra alemã, Ângela Merkel, chegou a propor que deva se pensar numa zona de livre comércio entre Europa e EUA para fazer frente à China. Merkel só parece ignorar o fator das maiores empresas americanas, como o Wal Mart, produzirem quase tudo na China.
Bem, alguma coisa o país vai precisar mudar. É que como o marketing ensina, esse negócio de se posicionar apenas pelo preço pode dar certo por um tempo, mas não para sempre. Seja para os picolés ou para um país.

ENTREVISTA: DAVID LIN

Com a ajuda de Tomaz Mok, herói da publicidade local com 25 anos de estrada, consegui agendar uma visita a McCann/Guangming.
A McCann tem 3 operações no país. Em Beijing, são 170 funcionários, mais ou menos o número de Hong Kong. Em Shanghai são 250. A sede na capital está espalhada por 3 andares de um moderno prédio no bairro empresarial de Chaoyang. É decorada com textos da filosofia Shaolin e esboços com movimentos que remetem a esta escola do Kung Fu.
Fui recebido pelo diretor de criação David Lin, 37 anos, há oito na casa. Gente fina, bom papo e um jeito de quem também parece saído de um filme de artes marciais: fala devagar, pausado e olha constantemente para os lados observando tudo que acontece em volta da sua sala.

FS: Como é que você veio parar nesse negócio de publicidade? Quando você começou isso não era muito difundido.
DL: Eu tenho uma formação diferente. Nasci em Hong Kong, na época controlada pelos ingleses, e estudei design em Taiwan. Eu gostava de moda, mas não existia mercado para isso. Achei que a direção de arte era uma boa opção. Mas muita gente da área veio de outras profissões. Os mais novos já estudaram em faculdades de publicidade. Hoje tem cursos disso em todos os lugares. A publicidade é uma prioridade do governo para o desenvolvimento. Então somos chamados o tempo todo pelas universidades para dar palestras.
FS: E como foi o seu percurso?
DL: Comecei em pequenos escritórios de "design". Na verdade fazíamos cartazes, pequenos anúncios, coisas assim. Foi uma boa escola. Depois abri o meu próprio negócio, mas aqui isso é bem complicado. Aí fui pra McCann Shanghai, até aparecer a oportunidade de vir para Beijing como diretor de criação.
FS: Como foi a transição com a abertura do mercado?
DL: Ah, mudou muito. Há 10 anos eram só pequenas agências e trabalhos menores. Então a economia abriu para os grupos estrangeiros que, para entrar, se associaram ao governo ou a sócios locais aprovados pelo governo. A McCann entrou na China junto com o Guangming, uma empresa da área de jornalismo, com o argumento inicial de que iria ajudar a fazer os anúncios para os jornais do grupo.
FS: E como está o mercado hoje?
DL: São umas 4 grandes agências entre as primeiras. McCann, Saatchi, JWT e Ogilvy...Mas há dezenas delas e ainda agências locais bem interessantes.
FS: E os principais anunciantes?
DL: Carros estão em alta. Estão vendendo muitos carros na China. Bebidas...E marcas de celulares. Todas, possíveis e imagináveis.
FS: Qual é a conta que o mercado todo quer ter?
DL: Hmmm, acho que a China Mobile. É a maior verba.
FS: É a operadora de celular do governo, certo?
DL: É. Estou dizendo que todo mundo queria, mas nós mesmos não entramos na concorrência.
FS: Por que?
DL: Estamos num momento de avaliar nossa participação em contas do setor público. Você faz idéia do que acontece num processo desses aqui na China?
FS: Nem imagino.
DL: Pois é, nem eu. Hahaha. Entendeu agora? A McCann tem uma demanda grande dos clientes internacionais, não temos como enfrentar esses processos longos, caros e arriscados a não dar em nada.
FS: E a jornada de trabalho? Cinco dias por semana, de 9 às 18h?
DL: Mais ou menos. Em dias pesados, vamos de 10h da manhã às 10h da noite. Quando precisa, ficamos no final de semana. Acho que é igual a vocês.
FS: E o público? A China parece ser um país muito jovem.
DL: Jovem, com muitas diferenças entre as regiões e baixo poder de compra. Os jovens aqui são como em qualquer lugar do mundo. Gostam de música, moda, esportes. Mas um jovem em começo de carreira aqui não ganha mais do que 3000 Renminbi (90 Reais). E uma Playstation custa US$ 250. Os tênis, as roupas, tudo é caro. Aí vem a pirataria. As pessoas querem se divertir e um DVD pode custar US$ 20 ou US$ 0,20 se for pirata.
FS: Você acha possível um criativo estrangeiro trabalhar aqui tendo que criar para um povo com uma cultura tão específica como a chinesa?
DL: Claro. Tem vários aqui e em Shanghai. Australianos, sul-africanos, americanos... E não só em criação. Talvez para um redator seja mais difícil mas, acredite, chinês não é tão complicado. Mas quem quiser trabalhar aqui tem que ter a idéia que isso não é o mercado americano nem inglês. Um publicitário ganha bem para os padrões daqui, mas a moeda não é o dólar. Em Hong Kong é diferente porque lá, apesar de ser China, é outra moeda. Em geral, a publicidade está trabalhando uma China mais internacional e nisso os estrangeiros ajudam. Olha, deixa eu te mostrar alguns trabalhos...
(Curiosamente, o primeiro trabalho que ele me mostra eu não consigo entender: tem uma mesa, e pedras cinzas e brancas com símbolos chineses. O pack é uma caixa de leite).
FS: Ih, olha, esse eu não entendi.
DL: Você não conhece isso? É um jogo. Tipo xadrez.
FS: Hahaha. Não, nunca ouvi falar.
DL: E eu achava que isso era famoso no mundo todo.
(David me mostra vários outros trabalhos que eu entendo: UPS, Microsoft, esse para a Goodyear aí da foto...
Até que um me chama a atenção. É um anuncio para Kellog´s Fitness: a assistente de um atirador de facas parece tranqüila enquanto as facas vão parar longe dela.)
FS: Legal esse.
DL: É, existe uma tradição de circos aqui. Mas é um anúncio universal, certo?
FS: Certo... mas por que é que vocês usaram uma modelo loura de olhos claros num anúncio para as mulheres chinesas?
DL: Hmmm.....Porque a gente quis. Hahaha.
FS: Hahaha. Grande resposta! E vocês tem muitos festivais locais?
DL: Uns 3 ou 4. A tendência é ter mais, este é um mercado que está vivendo muito das aparências, todo mundo quer ganhar alguma coisa. Estão tendo muitas festas. Eu não gosto, não vou. Sou meio low profile. Deveria ser menos. É um mercado enorme e dá trabalho ficar conhecido. Muitos criativos investem em relações públicas. Muitas vezes, sem nada para dizer.
FS: De 2000 para cá a China vem ganhando pelo menos um leão por ano em Cannes (Na foto, Bronze em 2005, "One is Enough" da Y&R para o comprimido de dor de cabeça Panadol). Isso mudou a maneira da sociedade ver a publicidade?
DL: Sim, acho que as pessoas comentam mais. Mas não sei se é por Cannes ou pelo crescimento mesmo.
FS: E as Olimpíadas? Não é por ser brasileiro, mas o Rio tem sido candidato a sede e fiquei com a impressão aqui que se não dá para fazer Olimpíadas lá - usando uma expressão brasileira - não dá para fazer nem lá nem na China.
DL: Você quer dizer que a cidade é... caótica? Concordo! Este trânsito é um pesadelo! O governo diz que vai fazer rodízio dos carros. Que o metrô, hoje com 2 linhas, vai ter 9. Deve haver uma grande faxina. Você não imagina como isso é importante para o país neste momento.
FS: E o mercado, já tem um reflexo do impacto das Olimpíadas?
DL: Sim e vem mais por aí. Estive vendo o planejamento de alguns clientes. Vão investir como nunca em publicidade. O mundo todo vai estar de olho.
FS: David, muito obrigado pela receptividade e pela ajuda. Aposto que o pessoal no Brasil vai gostar de conhecer melhor a China.
DL: Ótimo, então estão todos convidados para as Olimpíadas. Será um prazer!

NO PRÓXIMO MÊS

A Janela Internacional vai ao Japão. Até lá.

Fábio Seidl é redator da McCann-Erickson Portugal- Setembro/2006)