OLHA
O DRAGÃO CHINÊS! A JANELA INTERNACIONAL NA CHINA.
Eu
era moleque quando os vendedores apareceram na praia com uma novidade
no segmento das guloseimas geladas, tradicionalmente, dominado pela
Kibon e pela Nestlé.
"Olha o Dragão Chinêêêêês!",
gritavam os ambulantes. O produto não era chinês mas,
em compensação, era tosco. A embalagem era um papel
branco que grudava no picolé, com o nome do sabor escrito
em uma cor.
Passada a desconfiança inicial das mães, eternas donas
do orçamento praiano, o sorvete Dragão Chinês
ganhou o público com seu preço muito mais baixo. O
Dragão virou referência. Logo apareceu um concorrente
que o chupou, literalmente: o Picolé do China.
Hoje, infelizmente, acho que o Dragão está extinto.
É que como o marketing ensina, esse negócio de se
posicionar apenas pelo preço pode dar certo por um tempo,
mas não para sempre.
O EX-MAIOR PARAGUAI DO PLANETA
A própria China, não faz muito tempo, também
era vista como uma espécie de picolé pirata da praia.
Hoje, venceu a desconfiança dos investidores, atraiu empresas
e cresce como nenhum outro país cresceu. A China virou referência.
É o lugar onde os grupos de publicidade estão colocando
dinheiro.
Se a China foi o maior Paraguai do Mundo, a impressão que
eu tive quando cheguei lá é que, hoje, lembra o Brasil.
Beijing, tirando os monumentos (fantásticos), tem um quê
de São Paulo. O trânsito, os prédios, muita
gente. Muito trabalho e fumaça. Só que os contrastes
lá são mais acentuados.
Os pobres não são pobres. São miseráveis.
Pessoas humildes, sem dentes e crianças com bunda de fora
(o que aparentemente substitui o uso de fraldas), misturam-se aos
executivos das multinacionais em ternos e carros caríssimos.
Assim como pra gente todo mundo que tem olho puxado é chinês
(ou japonês), para muitos chineses quem não tem olho
puxado é americano. Então não existe ocidental
que circule pelas zonas turísticas sem ser abordado por vendedores
ou pedintes dizendo: "One Dollar, one dollar". Mais ou
menos o que acontece com os gringos no Rio e no Nordeste.
HUTONGS E ARRANHA-CÉUS
Não se encontra um quarteirão sem uma grande obra,
com peões trabalhando madrugada a dentro. Os novos prédios
assinados por grandes nomes da arquitetura são vizinhos dos
antigos "hutongs", um tipo de favela.
Fui
enganado por umas fotos na Internet e fiz reserva num hotel "típico"
chinês. Ninguém falou que era num hutong. Passei uma
noite num quarto com cabelo no chão, teto incendiado e marcas
de pés na parede. Um mestre do kung fu deve ter se metido
em confusão por lá, é a única explicação.
Os empreendedores querem colocar os hutongs abaixo e todo mundo
em prédios. Os defensores das raízes culturais e especuladores
resistem.
O crescimento desenfreado também aparece no trânsito.
Mil novas carteiras de barbeiro, digo, de motorista são emitidas
todos os dias em Beijing, que é só a terceira cidade
mais populosa da China.
Nas ruas, bicicletas que carregam pilhas de porcos mortos dividem
a pista com Lamborghinis. Em muitos lugares não existe faixa
de pedestres. Onde há sinais é como se não
houvesse. Os táxis invadem ciclovias e deixam os passageiros
no meio da rua. No meu caso, nunca na rua que eu havia pedido.
AS
MARCAS NA SEDE OLÍMPICA
As Olimpíadas de 2008 devem mudar em definitivo o panorama
da cidade. Vi os estádios e a vila na fase final das obras,
impressionantes.
Em Beijing, diz-se que os Jogos vão servir de cartão
de visitas para a capital da nova economia mundial. E para fazer
sombra à irmã Shanghai, mais desenvolvida e bem sucedida.
De fato, a capital respira esporte. Wang Fung Jing, a rua mais badalada
do comércio é um mar de outdoors de marcas esportivas.
Lá, as superstores da Nike e Adidas disputam os clientes
com as duas principais marcas locais.
Uma
é a Seven que tem como garoto-propaganda o jogador americano
de basquete Shaquille O´Neal e usa um slogan "familiar":
Anything is Possible.
A outra tem um nome curioso, Anta, e usa um logo parecido com o
da a Seven e com todos os outros logos clichês de marcas esportivas.
Até a Pepsi por lá também está investindo
pesado neste ramo. Lançou por lá a "Pepsi Sports"
e está nas lojas com uma coleção de tênis
e roupas.
O COMUNISMO NÃO É MAIS AQUELE
Na China, o Partido Comunista controla tudo, inclusive o acesso
a Internet, mas faz tudo para que a economia seja dinâmica.
A máquina do Estado socialista é uma máquina
de ganhar dinheiro.
Beijing tem McDonald´s em tudo que é canto.
Mas
as lanchonetes são adaptadas ao gosto dos chineses. No lugar
da tradicional tortinha de maçã, tortas de "feijão
verde" (sim, vagem) e de Taro, uma raiz asiática roxa
fluorescente. Essa
é boazinha até. Só falta o McEspetinho de escorpião
ou o McLarva de Bicho da Seda, iguarias por enquanto só encontradas
em estabelecimentos mais populares.
A MTV também está lá, disputando para ver quem
faz a cabeça da molecada com o Canal V, de música
pop chinesa.
Shoppings de luxo são comuns. O maior deles, Oriental Plaza,
tem marcas, sofisticação e preços que deixam
muito centro comercial europeu de alto nível no chinelo.
Se os pobres parecem mais pobres do que no Brasil, os ricos chineses
parecem bem mais ricos.
A PUBLICIDADE DOS NOVOS DONOS DO MUNDO
A
Revolução Cultural dos anos 60 fez com que quase toda
a população acima dos 35 anos não tenha curso
superior que prepare para a nova realidade. Talvez por isso, sejam
comuns os cartazes nas ruas anunciando "MBA" com bandeiras
americanas. Precisa-se de know-how, urgente.
Na revista Media, maior veículo especializado em publicidade
de lá, é comum ver excelentes ofertas de emprego.
Vi um que dizia: "Precisa-se de Diretor de Criação,
Redator, Diretor de Arte, Planejamento, Diretor de Atendimento e
Executivo de Contas para trabalharem numa das maiores agências
do país. Salário acima da média do mercado."
Se animou? Bem, o classificado, embora em inglês, era claro:
"indispensável fluência em Chinês Mandarim".
Vi alguma coisa da publicidade feita por lá. Na mídia
impressa, algumas coisas lembraram a publicidade carioca. É
que os habitantes de Beijing também são orgulhosos
das belezas da sua cidade, por isso seus templos e palácios
e a imponente Muralha estampam muitos anúncios.
As peças, quase sempre, tem muito texto. Mas existe o hábito
de parar na rua para ler coisas. A JC Decaux criou até um
mobiliário adaptado ao hábito de ler o jornal que
é pendurado nos muros.
Os filmes são bem feitos, meio na escola norte-americana.
Soube depois que as produções regulam em custos com
as européias. Filmar ainda é caro num país
onde janta-se como um imperador por cerca de 10 reais.
E fiquei com a impressão de que os chineses são mesmo
todos parecidos ao ver os modelos dos anúncios. Mas não.
Eram os o jogador de basquete Yao Min (que atua na NBA) e a atriz
internacional Li Gong (Miami Vice, Memórias de uma Gueixa)
que estão em (quase) todas.
O CAMINHO DO GIGANTE
A
maior empresa dos Estados Unidos é a rede de supermercados
Wal-Mart. E 80% do que é vendido no Wal Mart é fabricado
na China. O resto são coisas que a China não tem como
produzir. Várias outras grandes empresas seguem o mesmo caminho.
Este mês, o Financial Times e a Fortune trouxeram artigos
criticando a economia industrial chinesa. Dizem que o país
mantém a moeda desvalorizada de maneira artificial para ter
custos competitivos. Faz sentido. Quem fiscaliza a economia deles
além do Partidão? Ninguém. Então, o
governo faz o que achar melhor.
A Primeira Ministra alemã, Ângela Merkel, chegou a
propor que deva se pensar numa zona de livre comércio entre
Europa e EUA para fazer frente à China. Merkel só
parece ignorar o fator das maiores empresas americanas, como o Wal
Mart, produzirem quase tudo na China.
Bem, alguma coisa o país vai precisar mudar. É que
como o marketing ensina, esse negócio de se posicionar apenas
pelo preço pode dar certo por um tempo, mas não para
sempre. Seja para os picolés ou para um país.
ENTREVISTA: DAVID LIN
Com
a ajuda de Tomaz Mok, herói da publicidade local com 25 anos
de estrada, consegui agendar uma visita a McCann/Guangming.
A McCann tem 3 operações no país. Em Beijing,
são 170 funcionários, mais ou menos o número
de Hong Kong. Em Shanghai são 250. A sede na capital está
espalhada por 3 andares de um moderno prédio no bairro empresarial
de Chaoyang. É decorada com textos da filosofia Shaolin e
esboços com movimentos que remetem a esta escola do Kung
Fu.
Fui recebido pelo diretor de criação David Lin, 37
anos, há oito na casa. Gente fina, bom papo e um jeito de
quem também parece saído de um filme de artes marciais:
fala devagar, pausado e olha constantemente para os lados observando
tudo que acontece em volta da sua sala.
FS: Como é que você veio parar nesse negócio
de publicidade? Quando você começou isso não
era muito difundido.
DL: Eu tenho uma formação diferente. Nasci
em Hong Kong, na época controlada pelos ingleses, e estudei
design em Taiwan. Eu gostava de moda, mas não existia mercado
para isso. Achei que a direção de arte era uma boa
opção. Mas muita gente da área veio de outras
profissões. Os mais novos já estudaram em faculdades
de publicidade. Hoje tem cursos disso em todos os lugares. A publicidade
é uma prioridade do governo para o desenvolvimento. Então
somos chamados o tempo todo pelas universidades para dar palestras.
FS: E como foi o seu percurso?
DL: Comecei em pequenos escritórios de "design".
Na verdade fazíamos cartazes, pequenos anúncios, coisas
assim. Foi uma boa escola. Depois abri o meu próprio negócio,
mas aqui isso é bem complicado. Aí fui pra McCann
Shanghai, até aparecer a oportunidade de vir para Beijing
como diretor de criação.
FS: Como foi a transição com a abertura do
mercado?
DL: Ah, mudou muito. Há 10 anos eram só pequenas
agências e trabalhos menores. Então a economia abriu
para os grupos estrangeiros que, para entrar, se associaram ao governo
ou a sócios locais aprovados pelo governo. A McCann entrou
na China junto com o Guangming, uma empresa da área de jornalismo,
com o argumento inicial de que iria ajudar a fazer os anúncios
para os jornais do grupo.
FS: E como está o mercado hoje?
DL:
São umas 4 grandes agências entre as primeiras. McCann,
Saatchi, JWT e Ogilvy...Mas há dezenas delas e ainda agências
locais bem interessantes.
FS: E os principais anunciantes?
DL: Carros estão em alta. Estão vendendo muitos
carros na China. Bebidas...E marcas de celulares. Todas, possíveis
e imagináveis.
FS: Qual é a conta que o mercado todo quer ter?
DL: Hmmm, acho que a China Mobile. É a maior verba.
FS: É a operadora de celular do governo, certo?
DL: É. Estou dizendo que todo mundo queria, mas nós
mesmos não entramos na concorrência.
FS: Por que?
DL: Estamos num momento de avaliar nossa participação
em contas do setor público. Você faz idéia do
que acontece num processo desses aqui na China?
FS: Nem imagino.
DL: Pois é, nem eu. Hahaha. Entendeu agora? A McCann
tem uma demanda grande dos clientes internacionais, não temos
como enfrentar esses processos longos, caros e arriscados a não
dar em nada.
FS: E a jornada de trabalho? Cinco dias por semana, de 9
às 18h?
DL: Mais ou menos. Em dias pesados, vamos de 10h da manhã
às 10h da noite. Quando precisa, ficamos no final de semana.
Acho que é igual a vocês.
FS: E o público? A China parece ser um país
muito jovem.
DL: Jovem, com muitas diferenças entre as regiões
e baixo poder de compra. Os jovens aqui são como em qualquer
lugar do mundo. Gostam de música, moda, esportes. Mas um
jovem em começo de carreira aqui não ganha mais do
que 3000 Renminbi (90 Reais). E uma Playstation custa US$ 250. Os
tênis, as roupas, tudo é caro. Aí vem a pirataria.
As pessoas querem se divertir e um DVD pode custar US$ 20 ou US$
0,20 se for pirata.
FS: Você acha possível um criativo estrangeiro
trabalhar aqui tendo que criar para um povo com uma cultura tão
específica como a chinesa?
DL: Claro. Tem vários aqui e em Shanghai. Australianos,
sul-africanos, americanos... E não só em criação.
Talvez para um redator seja mais difícil mas, acredite, chinês
não é tão complicado. Mas quem quiser trabalhar
aqui tem que ter a idéia que isso não é o mercado
americano nem inglês. Um publicitário ganha bem para
os padrões daqui, mas a moeda não é o dólar.
Em Hong Kong é diferente porque lá, apesar de ser
China, é outra moeda. Em geral, a publicidade está
trabalhando uma China mais internacional e nisso os estrangeiros
ajudam. Olha, deixa eu te mostrar alguns trabalhos...
(Curiosamente, o primeiro trabalho que ele me mostra eu não
consigo entender: tem uma mesa, e pedras cinzas e brancas com símbolos
chineses. O pack é uma caixa de leite).
FS: Ih, olha, esse eu não entendi.
DL: Você não conhece isso? É um jogo.
Tipo xadrez.
FS: Hahaha. Não, nunca ouvi falar.
DL: E eu achava que isso era famoso no mundo todo.
(David me mostra vários outros trabalhos que eu entendo:
UPS, Microsoft, esse para a Goodyear aí da foto...
Até que um me chama a atenção. É um
anuncio para Kellog´s Fitness: a assistente de um atirador
de facas parece tranqüila enquanto as facas vão parar
longe dela.)
FS: Legal esse.
DL: É, existe uma tradição de circos
aqui. Mas é um anúncio universal, certo?
FS: Certo... mas por que é que vocês usaram
uma modelo loura de olhos claros num anúncio para as mulheres
chinesas?
DL: Hmmm.....Porque a gente quis. Hahaha.
FS: Hahaha. Grande resposta! E vocês tem muitos festivais
locais?
DL:
Uns 3 ou 4. A tendência é ter mais, este é um
mercado que está vivendo muito das aparências, todo
mundo quer ganhar alguma coisa. Estão tendo muitas festas.
Eu não gosto, não vou. Sou meio low profile. Deveria
ser menos. É um mercado enorme e dá trabalho ficar
conhecido. Muitos criativos investem em relações públicas.
Muitas vezes, sem nada para dizer.
FS: De 2000 para cá a China vem ganhando pelo menos
um leão por ano em Cannes (Na foto, Bronze em 2005, "One
is Enough" da Y&R para o comprimido de dor de cabeça
Panadol). Isso mudou a maneira da sociedade ver a publicidade?
DL: Sim, acho que as pessoas comentam mais. Mas não
sei se é por Cannes ou pelo crescimento mesmo.
FS: E as Olimpíadas? Não é por ser brasileiro,
mas o Rio tem sido candidato a sede e fiquei com a impressão
aqui que se não dá para fazer Olimpíadas lá
- usando uma expressão brasileira - não dá
para fazer nem lá nem na China.
DL:
Você quer dizer que a cidade é... caótica? Concordo!
Este trânsito é um pesadelo! O governo diz que vai
fazer rodízio dos carros. Que o metrô, hoje com 2 linhas,
vai ter 9. Deve haver uma grande faxina. Você não imagina
como isso é importante para o país neste momento.
FS: E o mercado, já tem um reflexo do impacto das
Olimpíadas?
DL: Sim e vem mais por aí. Estive vendo o planejamento
de alguns clientes. Vão investir como nunca em publicidade.
O mundo todo vai estar de olho.
FS: David, muito obrigado pela receptividade e pela ajuda.
Aposto que o pessoal no Brasil vai gostar de conhecer melhor a China.
DL: Ótimo, então estão todos convidados
para as Olimpíadas. Será um prazer!
NO PRÓXIMO MÊS
A Janela Internacional vai ao Japão. Até lá.
Fábio
Seidl é redator da McCann-Erickson Portugal-
Setembro/2006)
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